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Delito de Opinião

Genuflexão

José Navarro de Andrade, 06.01.12

                                  

 

 

O alarido que para ali vai à volta de Tim Tebow, o quarterback dos Denver Broncos.

É melhor começar por uma explicação aos leigos. No futebol americano o quarterback é literalmente um capitão (de equipa), pois tem como primeira missão transmitir a táctica delineada pelo general (o treinador) à tropa macaca, formada por aqueles moços com envergadura de frigorífico que antes de uma jogada rodeiam o quarterback fingindo prestar atenção à estenografia oral que ele berra através do capacete, no centro de um estádio ululante. Os quarterbacks são as grandes vedetas deste desporto, dado que agregam às suas faculdades intelectuais (a sério: o futebol americano é a modalidade mais cerebral que existe), uma formidável destreza manual, um físico de adónis, um desprendimento olímpico face à multidão de fãs e uma conta bancária eloquente.

Ora o rookie Tim Tebow inaugurou uma prática antes impensável, a qual já foi crismada de tebowing (neologismo dicionarizado). Em que consiste ela? Basicamente em misturar a pose intensa de “O pensador” de Rodin com o abandono de “O desterrado” de Soares dos Reis, ou seja: em recolher-se num momento de oração quando um passe lhe sai bem, um touchdown é marcado, ou tão-só antes de o desafio se iniciar ou quando ele termina em vitória.

Num país laico como a América – ah pois é! – O gesto deste devoto filho de missionários baptistas provocou enorme celeuma. Uns execraram-no e troçaram dele, porque (re)afirmam que bola é bola, mesmo quando seja oval, Deus é Deus e a América está muito bem sem misturas; outros cantaram hossanas, porque não se cansam de (re)afirmar que nunca é demais agradecer o facto de Deus ter abençoado a pátria dos livres, lar dos bravos. Claro que os primeiros são democratas e os segundos republicanos, que a controvérsia é política, que estamos em ano de eleições e que os americanos têm o hábito de discutir as coisas.

Por certo nós, portugueses, ouviremos a polémica com cepticismo e olharemos o gesto com cinismo, ambas atitudes com que evidenciamos a nossa consabida superioridade intelectual. Ou não estaremos habituadíssimos a ver um qualquer Cleiderson do Feirense persignando-se à pressa, beijando três vezes a cruz que traz ao pescoço e adiantando premeditadamente o pé direito, quando entra em campo? Isto para suplicar ao Altíssimo que se distraia por uns momentos do governo do Universo e da arquitectura dos Tempos de modo a banhar de favores as evoluções de uma pelota pontapeada por aquele seu fidelíssimo. Normal, portanto.

Outos povos, outros costumes.

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