Um ditador é um ditador
A palavra ditador parece ter caído definitivamente em desuso em Portugal. Só isto explica que a SIC Notícias tenha hoje revelado ao País que "morreu o líder da Coreia do Norte". E no entanto não conheço nenhum outro dirigente mundial, na actualidade, que merecesse tanto o epíteto de ditador como Kim Jong-il, herdeiro da mais longa dinastia comunista do planeta. Nem conheço nenhum país que ostente um nome oficial tão desfasado da realidade como a chamada República Democrática Popular da Coreia. Um país que nada tem de republicano, pois o poder transita ali dentro do mesmo ramo familiar, como era costume na corte absolutista de Versalhes: o tirano agora falecido herdara o ceptro do pai, Kim Il-sung, e o seu indigitado sucessor será o filho mais novo, Kim Jong-un. Um país que nada tem de democrático: a transmissão do comando supremo ocorre em Pyongyang por simples decreto emanado da cúpula do partido único, enquanto os direitos mais elementares são ferozmente espezinhados. Um país que nada tem de popular: os norte-coreanos continuam a fugir para o exterior, com risco da própria vida, para escapar às tenebrosas condições proporcionadas pelo regime estalinista implantado em 1948. Um regime que condena a sua própria população à miséria e à fome, em flagrante contraste com a vizinha Coreia do Sul.
Morto o ditador, quem se apressou a endereçar condolências ao "povo coreano"? Naturalmente o PCP, que em vez de se insurgir contra a tirania prefere lançar farpas aos Estados Unidos. Omitindo a prática de tortura, as frequentes execuções públicas e a existência de dezenas de milhares de presos políticos na monarquia vermelha.
Nada que nos deva espantar: nas teses ao XVIII congresso do partido, em 2008, os estrategos da Soeiro Pereira Gomes elogiaram o regime de Pyongyang nestes termos inequívocos: "Importante realidade do quadro internacional, nomeadamente pelo seu papel de resistência à 'nova ordem' imperialista, são os países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista - Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia" (destaques a negro das próprias teses). Um facto que mereceu críticas de alguns dos mais prestigiados militantes do PCP, como o ex-líder parlamentar Octávio Teixeira.
O que seria de esperar de um partido que, nas páginas do seu jornal oficial, considera a Rússia estalinista "a mais brilhante conquista da história da humanidade"?
ADENDA: O Estado de São Paulo chama ditador a Kim Jong-il. E o New York Times também. Ao contrário do que fizeram, por exemplo, o JN e o Público. É reconfortante saber que na grande imprensa internacional ainda há quem chame as coisas pelo seu nome. Porque um ditador continua a ser um ditador. Tenha a cor política que tiver.