Pontos nos is (5)
INSEGURO
Ontem, num jantar socialista de Natal, António José Seguro disse que a reforma do poder local "não pode ser feita a régua e esquadro a partir de um gabinete em Lisboa". Não. Também disse que "qualquer reforma sobre o poder local tem que ser feita com bom senso, equilíbrio, critério". Sim. Disse ainda que qualquer reforma do poder local exige que se ouçam primeiro as populações e os autarcas e que a extinção de freguesias em zonas rurais deve respeitar "a identidade e a história que ligam as autarquias aos portugueses". Nim.
Anda meio perdido, o líder socialista, no que se refere à reforma administrativa do País: "Onde há possibilidades de fazer reformas no poder local é na malha urbana." É? Não é. Naturalmente, há casos urbanos a repensar, mas é no mundo rural que as discrepâncias mais se acentuam, com muitos municípios e freguesias onde os cidadãos em geral e os eleitores em particular não enchem uma rua citadina.
Não há como fugir aos números. Por muito que custe a Seguro, o princípio numérico não é o ponto único em análise, mas tem de ser ponto essencial num critério sério.
Alimentar a existência de municípios marcadamente rurais (ainda subdivididos em freguesias) onde o tecido populacional não atinge os números de qualquer freguesia urbana média é sobrevalorizar a divisão administrativa que temos, irracional há muito tempo (para não dizer que é irracional desde Mouzinho da Silveira). A menos que se queira defender uma reforma de sinal contrário: rever apenas a malha urbana, como Seguro sugere, seria fazer crescer os órgãos autárquicos.
Opta pelo mais fácil, este Seguro claramente distante da postura política desejável: o apelo para que seja atendida a vontade das populações e dos autarcas é tão primário que nem parece de quem anda na política há décadas. Como se percebe, ninguém vai querer, de bom grado, ser atingido por uma reforma que pretende reduzir a estrutura autárquica, mas isso nada resolve.
A extinção de órgãos autárquicos, para o secretário-geral do PS, agrava a situação das populações: "Já lhes levaram o médico, a escola e o centro de saúde. O Estado não tem o direito de desproteger e abandonar esses portugueses só por viverem numa terra distante do progresso." Seguro critica com isto, afinal, a própria receita de anos do PS. Ainda por cima, exprime-se mal ao ignorar que o Estado é a totalidade dos portugueses e não só aqueles que lhe dão jeito no momento.
Inversamente, Seguro teria dado mostras de visão política se, assumindo a redução de autarquias pela respectiva aglutinação e concentração, tivesse declarado que só assim poderá pensar-se no regresso do médico, da escola, do centro de saúde, etc., justificado pelas populações que servirão. Não quis fazê-lo e perdeu-se.
Seguro está inseguro neste assunto. É lamentável, porque a reforma administrativa tem uma importância que não se compadece com intervenções básicas e redundantes. Diz ele estar "cheio de energia, ideias e propostas". Só por graça. Com estes brinquedos, fica-lhe mal o papel de Pai Natal.