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Delito de Opinião

A triste paróquia de Tavares

J.M. Coutinho Ribeiro, 04.04.09

Gastei parte da minha vida profissional - e nem só - a comer o alcatrão das estradas, pelo interior do país, para defender jornalistas acusados de crimes de difamação através da imprensa. Aprendi muito com esses processos. E - sem falsas modéstias - creio que também houve pessoas que moveram esses processos, que os acusaram e que os julgaram que aprenderam alguma coisa comigo.

Vindo do jornalismo para a advocacia, com um trajecto jeitoso no banco do réus enquanto imputado criminoso do sector, com a matéria estudada em noites sem horas, acho que consegui desfazer alguns dogmas instalados. E, sobretudo, ajudei a perceber que o tempo da imprensa paroquial, dos casamentos e baptizados, dos jornais alimentados com os feitos dos tubarões locais estava acabado. Que o tempo de liberdade era também o tempo em que os actos ilícitos dos tubarões locais deviam ser escrutinados pela imprensa.

Nos grandes centros urbanos e com os grandes órgãos de comunicação social, esta questão já nem se colocaria. Mas, nos meios pequenos, onde os poderes se confundem, com jornais a tentar florescer, com jornalistas corajosos e dispostos a cumprir a sua função (com erros, claro, com erros...), a tarefa era ciclópica. Dizer mal no jornal do senhor doutor, valha-me Deus! E, então, se fosse de um senhor doutor ligado aos tribunais, valha-me Deus, outra vez!

Como facilmente se imagina, coleccionei inimigos. Alguns que irão, seguramente, perseguir-me a vida inteira. Outros, que acabaram por perceber, se não o papel dos que defendi, o meu papel. E também coleccionei o respeito de muitos que enfrentei, numa ou noutra posição, porque sentiram que, no fim de contas, eu apenas andava por ali a defender, convictamente, a liberdade de expressão. Outra vez sem falsas modéstias, vivo com a sensação - mesmo que não seja verdade, deixem-me pensar que é assim - de que contribuí para que os limites da liberdade de imprensa se alargassem. Como têm alargado.

Pensei, honestamente, que este era caminho sem retorno. Parece que não. Leio que José Sócrates move processo contra  o colunista João Miguel Tavares. Sente-se difamado. A única conclusão possível é que Portugal - o país moderno, das novas tecnologias - retrocede ao nível da triste paróquia do interior que ajudei a combater. 

 

(Não conheço João Miguel Tavares de lado nenhum, que não seja das suas crónicas. Mas se ele precisar de uma testemunha, pode contar comigo)

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