Uma abstenção violenta
António José Seguro cunhou a expressão violenta abstenção. Todavia, ao que parece, melhor falaria de uma abstenção violenta, sendo que esta descreve não a posição do PS em relação ao Orçamento, mas a situação vivida no próprio grupo parlamentar socialista. Na verdade, e de acordo com vários relatos, Seguro pretendia votar favoravelmente a proposta dita de modelação dos cortes salariais na função pública. A decisão terá mesmo sido comunicada à bancada do PS pelo líder parlamentar. Todavia, alguns deputados socialistas manifestaram a intenção de quebrar a disciplina de voto, o que levou a liderança (se é que assim se pode dizer) a recuar e a optar pela abstenção. Para lá das limitações próprias e evidentes e de alguns lapsos de percurso (Carlos Zorrinho não tem condições para liderar, sequer, uma assembleia de condóminos), Seguro enfrenta ainda adversidades conjunturais e estruturais que o condicionam politicamente:
-
herdou um partido identificado pela opinião pública com a autoria moral e material da bancarrota (e não soube, deve reconhecê-lo, promover a necessária separação de águas);
-
tem a sua iniciativa (se é que tem uma) limitada pela vinculação ao memorando da Troika;
-
assiste a uma hiperactividade sazonal de Mário Soares que, mais do que interpelar o governo, provoca confusão à esquerda (o complexo de Édipo, na versão PS, relaciona-se com o impulso de amordaçar o avô);
-
vê a esquerda mais radical e o movimento sindical assumirem, na rua, a liderança do processo de oposição;
-
tem a representação parlamentar fracturada pela tensão insuflada pelo grupo de deputados que pretende consagrar Sócrates como património (para já) imaterial do PS (ainda que todos saibamos que o lugar que lhe cabe por direito é o de maravilha da gastonomia).
Neste contexto, por erros seus e má fortuna, é possível que Seguro passe da fase em que provoca tédio aos eleitores para aquela outra em que tudo o que lhes desperta é compaixão. É que, por estes dias, exercer como Secretário-Geral do PS pode muito bem ser uma das piores profissões do mundo.