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Delito de Opinião

Estou a ler "Meine russischen Nachbarn" (7)

Leonor Barros, 28.11.11

O penúltimo dia de Agosto brindou-me com chuva. Pela janela um dia cinzento. A cidade meio pálida e precocemente escura. Largo as malas e faço o que mais gosto: passear, ver, deambular com a ligeireza de quem nada tem para fazer se não deixar-se ir por entre a multidão e sentir, respirar, ver.

Subo a rua. O passo mais rápido pela chuva insistente na cidade que me surpreende sempre e nunca se esgota em cada visita. E entro na livraria. Resisto a quase tudo menos a uma livraria recheada de títulos novos, livros baratos e o ambiente de uma religiosidade veneranda de silêncios pontilhados de virar de páginas virgens à espera de serem lidas. Um livro. Falta-me sempre um livro. Os olhos recaem sobre o mais recente livro, à data, de Wladimir Kaminer, Meine russischen Nachbarn, e é esse que há acompanhar-me nos dias de Berlim, dias de sol e de chuva, dias de muito ver e de digerir história e gente a cada esquina. Não o acabarei, contudo. A cidade absorve-me.

Meine russichen Nachbarn, os meus vizinhos russos, conta a história de dois russos, Andrej e Sergej que convenientemente ocupam o andar por cima do de Wladimir Kaminer, lá na Schönhauser Allee, algures em Prenzlauer Berg, uma zona emergente de Berlim a viver os seus melhores dias depois da Queda do Muro em Novembro de 1989. Andrej e Sergej encetam uma nova vida nesta nova Europa que se quer livre e democrática derrubados os muros físicos que a cortavam em duas, os de lá e os de cá, Ossis e Wessis. Rondando os trinta anos, Andrej de Leningrado, hoje São Petersburgo, e Sergej da Bielorússia provocam uma pequena revolução na vida aparentemente pacata dos habitantes do prédio de Schönhauser Alle. A porteira não gosta, os vizinhos reclamam do trompete logo pela manhã. Andrej luta com a língua alemã e apaixona-se pela professora enquanto Sergej assina exemplares d'O Capital de Karl Marx que venderá no e-bay como relíquias do grande filósofo e ideólogo. As aventuras sucedem-se.

E ambos teriam tido uma vida anónima e tranquila, caso tivessem escolhido um outro local para viver. É que Kaminer é um observador atento da realidade, um crítico mordaz das várias vidas que já teve e escritor implacável a quem as aventuras acontecem sempre e de forma renovada. Não poderia desperdiçar esta oportunidade e fixa-os a uma narrativa de leitura muito fácil sem artifícios ou malabarismos estilísticos e despojadamente cativante. Na vida destes dois russos vemos desfilar a União Soviética a que Kaminer disse adeus em 1990 para abraçar Berlim como sua nova pátria, as cidades também são pátria. E as histórias entrelaçam-se. E os tempos. Há a União Soviética com as suas características peculiares, os russos que não riem e Kaminer explica porquê, os moscovitas, reconhecidamente rudes nos modos e a Rússia actual de novos-ricos. E há a Alemanha e Berlim, a vida na cidade, ressentimentos e singularidades. Muito portanto num pequeno livro de 222 páginas em tom humorístico e divertido.

A leitura implica um tu com que se possam trocar impressões, um interlocutor que se possa rir connosco ou opor-se ao que bebemos nos livros, um duelo de palavras e ideias. Para minha grande pena só dois livros de Kaminer estão traduzidos em Português O panorama literário alemão virou uma página acompanhando os ventos de mudança na Alemanha e na Europa. Wladimir Kaminer é um dos mais lidos escritores de língua alemã, por cá quase um desconhecido. Para quando mais um Kaminer em português, senhores editores? Até lá deixo-vos com uma pequena amostra: "Um professor esforça-se por explicar a um pioneiro o que é o comunismo numa linguagem acessível. 'O comunismo é', diz ele, 'quando tens de comer morangos com natas todos os dias ao pequeno-almoço'. ‘Mas eu não gosto de morangos com natas’ responde o pioneiro. 'Não interessa', esclarece o professor, 'vais comê-los na mesma, quer gostes quer não'."

 


É isto que acabei de ler, Laura. Passo o testemunho ao Luis M. Jorge. O que estás a ler, Luís?  

2 comentários

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    Leonor Barros 28.11.2011

    Já tinha falado com ela sobre o Kaminer, Gi. Esperemos então o livro :)
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