A terceira ilha
A 1 de Abril (é verdade) de 2009, tive de mudar-me para Angra do Heroísmo, transferido para a Terceira por motivos de trabalho. Logo nessa noite tive uma experiência "agitada". Aproveitei o primeiro fim-de-semana para um reconhecimento pelas redondezas e registei então as primeiras impressões, recuperadas para trazer agora aqui.
Recém-chegado, sou sacudido na primeira madrugada por uma inesperada "comissão de recepção": 4,8 na Escala de Richter. E tinham-me dito que não há agitação nesta terra tranquila! É verdade que ninguém se agitou. Nem eu, não sei explicar porquê. É como se nada de mal pudesse acontecer, mas não sei explicar.
É o primeiro domingo aqui. Abro a porta e sinto o sol brilhante da manhã de Primavera. Não sigo o caminho curto e estreito em cimento do jardim: cruzo deliberadamente a extensão envolvente de relva rumo à garagem, a sentir os sapatos afogados na verdura, enquanto o cheiro do mar a dois passos se junta aos aromas que crescem e o chilrear dos pássaros ensaia o concerto matinal. Paro a olhar para a árvore solitária, a meio da sebe de ibiscos que protege a frente dos olhares alheios: pardais empoleirados aos magotes; saltitantes no relvado, em contraste negro, vários melros e estorninhos partilham comigo o sol ameno.
Deixo o portão e conduzo lentamente pela estrada marginal. Atravesso a quietude da cidade que foi outrora a capital heróica do arquipélago e continua a ser sede do bispado desde tempos remotos. Bispo de Angra e dos Açores — é a designação histórica mantida até hoje.
Já nos arredores, bovinos preguiçosos ruminam lentamente, ao ritmo da natureza que regressa nesta estação do ano. Molduras de basalto negro dividem campos e pastagens em cambiantes infinitos de verde.
De quando em vez, um avião ou um helicóptero quebram o sossego no ar, indicando que há vidas movimentadas noutro ponto afastado da ilha que não pertencem a esta vida serena. A base aérea recorda que estou ligado ao mundo, nestes mares perdidos, mas não cabe no que absorvo.
Sem perder a estrada de vista, deixo o olhar deslocar-se, em intervalos, para lá das duas bermas. As molduras basálticas estendem-se pelas planícies e encostas, entrecortadas por bosques densos de mistérios.
Ainda vou ter de habituar-me a isto, conhecer os cantos, entender o que me rodeia. Mas uma coisa é certa: não faltam boas razões para me sentir bem.
Não é a primeira ilha em que me instalo para ficar nunca-sei-até-quando: a minha primeira ilha foi a Taipa, em Macau.
Nem sequer é a segunda ilha onde fico: a minha segunda ilha foi São Miguel, que acabo de deixar para trás, já com saudades.
Faço inversão de marcha e regresso a Angra com um dado já adquirido: esta é a minha Terceira...