Trabalhadores em greve vs. indignados
Os dirigentes das centrais sindicais demarcaram-se dos incidentes ocorridos junto ao Parlamento. Todavia, a divergência entre aqueles que se sentem representados pelo movimento sindical e os outros que também ontem se manifestaram (chamemos-lhes indignados) não fica por aqui. O pano de fundo da agitação social é a crise económica profunda. Perante isto, a luta do movimento sindical não é já a da conquista de direitos adicionais para os trabalhadores. O discurso dos direitos incrementais foi substituído pelo da preservação dos direitos adquiridos. Não há nas acções promovidas pelos sindicatos qualquer intuito revolucionário. Não está em causa uma réstia de utopia. Pelo contrário, aquilo que está presente é já uma profunda nostalgia. Num certo sentido, utopia e nostalgia são entidades de sentido equivalente, situadas em pontos opostos do fio do tempo. Na greve de ontem, o tempo perfeito, o momento idealizado, estava no passado. Esse onde o trabalho podia ser para toda a vida e era pago em 14 remunerações anuais e em que o Estado oferecia a miragem de uma ampla protecção social na doença e na tristeza. O cimento que uniu os trabalhadores não foi o desejo de revolução, com a consequente alteração das estruturas políticas e sociais, nem sequer o de revolta (entendida esta no sentido que lhe é dado por Paolo Virno, Alain Badiou ou Jacques Ranciére: momento análogo ao da catástrofe, do colapso, sem projecto de futuro). No fundo, os trabalhadores em greve são consumidores que vêem o poder de compra afectado e reclamam o seu lugar no sistema capitalista e na social-democracia. Por seu lado, o movimento dos indignados não apresenta este traço agregador. Sob a designação, permanece a amálgama. Estão por ali os que não sabem o que querem, os que estão profundamente ideologizados e sonham com a revolução omitindo a si próprios (ou ao mundo) que o lugar mais próximo da utopia é a distopia, os que querem a revolta (no sentido já referido de catarse instantânea, sempre que possível violenta, sem passado nem futuro) e os que queriam estar no lugar daqueles que fazem greve (jovens desempregados). Ora, já se vê que não há ponto de união possível entre aqueles para quem o futuro desejado está no regresso ao passado (representados pelos sindicatos) e os outros para quem só há presente (os da revolta ou os que não sabem o que querem) ou só há futuro (os da utopia revolucionária e os que querem emprego). Por isso, quando estas duas forças (que se projectam em momentos temporais diferentes e antagónicos) se aproximam no espaço, físico ou político, o resultado só pode ser uma grande tensão. Não há compatibilidade possível entre amanhãs que cantam e ontens sorridentes. Entretanto, o que se torna realmente difícil é encontrar, em qualquer dessas correntes, algum sentido da realidade.