Do direito à greve
Há assuntos sobre os quais devíamos conseguir entendermo-nos em definitivo para não sermos obrigados a repetir argumentos estafados sempre que a situação se repete. As greves provocam incómodos e, em geral, revelam-se inúteis. Tudo certo. Mas, nada incomoda mais do que os comentários que procuram sublinhar o incómodo e a inutilidade das greves. Estas são um direito que tem como único critério a vontade dos trabalhadores. É assim que as devemos encarar. Numa sociedade adulta, respeita-se sem adversativas o direito à greve e o correspondente direito à não greve. Depois, fazem greve os que entendem fazer, sofrem-nas os que devem sofrer e tiram-se as conclusões pertinentes. São os custos de viver em sociedade. Convenhamos, há por aí outros bem piores. Nunca fiz greve, nem tenciono fazer nos próximos tempos. Mas, no dia em que decidir fazer, não aceitarei que condicionem o meu direito a partir de um critério de utilidade ou do incómodo que pode causar. Da mesma maneira, não aceito que esse seja o critério a aplicar aos que entendem fazer greve no presente. Se virmos bem, muitas vezes as próprias eleições não servem para grande coisa e implicam custos elevados. Todavia, não tenciono prescindir do direito de votar por tais motivos, ainda que um dia, a propósito de um acto eleitoral concreto, decida abster-me. Aliás, numa análise de âmbito mais amplo sobre o mundo do trabalho, não me parece que o incumprimento das obrigações se situe, sobretudo, do lado dos trabalhadores. Mas, nos casos em que tal possa acontecer, é precisamente no campo da violação das obrigações, e não no da limitação explícita ou implícita do direito à greve, que se deve actuar. Num momento em que vivemos perdidos no relativismo, é importante valorizar a existência de direitos inquestionáveis, ainda que discordemos do momento, da forma ou das razões de quem os exerce. Até porque, mais cedo ou mais tarde, é muito possível que tenhamos necessidade de os exercer também. E é bom que, nessa altura, os encontremos ainda assim. Intocáveis e imunes a critérios de conveniência arbitrados por terceiros.