As eleições em que a Espanha ganhou ainda antes de votar
Realizam-se hoje eleições legislativas em Espanha. A escolha daqueles que irão assumir o destino das nações em nome do povo, através do voto, é sempre um momento de celebração nas democracias representativas, ainda que o contexto interno e internacional apresentem mais motivos de preocupação do que razões para sorrir. Mas, estas eleições apresentam ainda dois motivos adicionais que justificam o regozijo dos democratas. Antes de mais, e fundamentalmente, importa registar que são as primeiras que se realizam depois da queda da ditadura franquista que decorrem sem a sombra do terrorismo da ETA. Por uma vez, o medo e o sangue não mancharam o exercício do debate democrático nem condicionaram a escolha livre dos cidadãos. Por outro lado, as eleições de hoje marcam também o ocaso de uma certa visão, dita socialista, de gestão do espaço público. O socialismo de Zapatero reclamou para si uma visão progressista da sociedade, estruturada a partir de 3 ideias fundamentais: a permanência de alguns dogmas do imaginário de esquerda tomados exclusivamente pelo seu valor facial, um discurso efusivo, sentimental e exacerbadamente optimista e uma fundamentação ética que nunca encontrou raiz mais profunda do que a que resulta da dimensão inatacável das boas intenções. Em rigor, e por isso mesmo, trata-se de uma proposta política que, como defende Santiago Gonzalez em Lagrimas Socialdemocratas, não esconde a pobreza da sua sustentação intelectual e em que a argumentação e a crítica foram sempre abafadas pelo foguetório. Descascado da capa espessa do marketing político, o socialismo de Zapatero revelou-se nas suas componentes estruturais: o betão a qualquer preço, as teias de interesses e o conluio entre clientelas e interesses públicos e privados, o crédito e o endividamento desbragados e o sucesso tão rápido quanto insustentável. Tudo aquilo que os espanhóis resumem com uma palavra: despilfarro. O seu legado mais grave é, todavia, um golpe profundo na viabilidade da coesão e do estado social. Esse mesmo que, vezes sem conta e com assinalável falta de pudor ou, quando menos, com total imprevidência, invocou reiteradamente e em vão. Que o digam os mais de 5 milhões de desempregados espanhóis. Uma herança brutal que Zapatero, eleito pela primeira vez em 14 de Março de 2004, deixa como marca mais visível dos seus mandatos.