Pontos nos is (1)
EMPOBRECIMENTO
O termo anda gasto. Começou por servir para lembrar que temos um caminho duro para percorrer e, desde então, a nossa (!) Esquerda faz dele uma marca do tempo, uma característica capaz de distinguir a nossa crise da situação periclitante generalizada que consome outros povos por essa crise fora, uma diferenciação que nos confere um lugar marcado na plateia das crises que grassam. E como o faz essa Esquerda? Histericamente, de dedo acusador em riste, como se fosse coisa nunca vista, impensável e completamente ao arrepio de tudo o que pudesse ser razoável acontecer-nos.
Não viria daí qualquer mal ao mundo, se não fosse tal atitude um ditame básico de certa(s) ideologia(s). Aproveita-se a fragilidade dos mais frágeis, acrescenta-se a dos que estão a fragilizar-se e junta-se a dos que temem a fragilidade que se aproxima como um susto. Porquê? Faz parte do plano básico: toda a gente sente o drama e alinha inconscientemente com os que bradam. Não por concessão ideológica, mas por parecer que discordar resolve o assunto e altera a triste realidade. Alinha-se por mero desabafo, portanto.
Vamos então ao ponto. O empobrecimento é chocante? Até pode ser, mas nada existe que o substitua. Todos o sabemos, se pararmos para pensar antes de alinhar no coro de protestos. Sabemos que andámos anos e anos a viver com mais do que tínhamos, a gastar acima do que auferíamos, a comprar mais do que podíamos e a recorrer a linhas de crédito acima das nossas possibilidades.
Chegada a hora de arrumarmos as contas, temos de fazer o quê? Temos de viver com o que temos, de gastar só o que auferimos, de comprar só o que podemos e de esquecer o recurso ao crédito. Isto é: temos de viver com menos, muito menos. Significa isto que temos de viver pior, abaixo dos hábitos que criámos. Claro que devemos trabalhar mais, para minorar as consequências, mas o próprio trabalho escasseia e a receita fica sem tradução.
Ora, isso quer dizer que nos resta empobrecer. É isto o empobrecimento. Inevitável. Fizemos vida de ricos com dinheiro de remediados, agora caímos na realidade, mas já cheios de dívidas e sem posses. Se alguém quiser interromper os protestos para apresentar alternativas, que o diga já ou que se cale para sempre. O resto é folclore de muito mau gosto.