A vaia
Houve um tempo -- há sempre um tempo destes em cada Governo -- em que José Sócrates julgou ter tudo sob controle. Houve um tempo -- há sempre um tempo destes em cada Governo -- em que José Sócrates viu em cada má notícia um pretexto para sacar um coelho na cartola. Houve um tempo -- há sempre um tempo destes -- em que José Sócrates se convenceu que o país inteiro se importunava com as perguntas da oposição e apreciava o silêncio da governação. Houve até um tempo -- há sempre um tempo destes -- em que José Sócrates acreditou que as trapalhadas podiam ser apagadas pelas atrapalhadas intervenções de Augusto Santos Silva. Houve um tempo -- para quê insistir? -- em que José Sócrates acreditou que os portugueses eram suficientemente distraídos para se deixarem comandar pelas técnicas de propaganda.
E há sempre um momento -- há em todos os Governos -- em que o primeiro-ministro se apercebe que as tácticas do costume já não resultam nem permitem vencer. Não sei se a vaia sofrida por José Sócrates marca, como diz o Pedro Picoito, o princípio do fim ou o fim do princípio. Mas sei que marca o momento a partir do qual José Sócrates percebeu que a maioria absoluta já não permite más notícias, arrogâncias gratuitas e disparates de Santos Silva.
A vaia pode marcar qualquer outra mais. Mas marca seguramente -- e já não é pouco -- o momento a partir do qual José Sócrates se viu forçado a mudar de estratégia. Veremos se muda, intensificando o controlo que exerce sobre o Governo e o espaço público ou se muda, começando a tratar o sistema político com o institucionalismo que lhe tem faltado.