Como se mata um Khadafi
Tudo indica que Khadafi foi conduzido à morte tal e qual como viveu. De forma ignóbil e cobarde. Nada que nos faça perder tempo se o nosso ponto de referência for a relação do próprio Khadafi com a vida e com a morte. O ditador infame, por si, não vale, sequer, o custo de produção das balas que o mataram. Todavia, se sempre o repudiámos em vida, como podemos tomar-lhe agora o referencial sanguinário para nos pronunciarmos sobre a sua execução? Há aqui um estremecimento que interpela o nosso sentido de dignidade e de justiça. Não me parece que possamos admitir que o nosso sistema de valores está também indexado ao preço dessas mesmas balas. Sob pena de termos de reconhecer que somos mais rápidos a seguir a lição da barbárie do que as revoluções árabes a encontrar o caminho da democracia. Dir-me-ão que não vale a pena perder tempo com o fim do déspota. Respondo que fazê-lo é falar muito mais de nós e muito pouco dele. Para além disso, reclamo para mim uma paz de espírito que me permita continuar a espantar-me com exemplos como aquele que o Luís aqui nos traz. Em rigor, nenhum ditador merece morrer assim. Um julgamento justo, uma pena adequada, a expiação, um a um, de todos os crimes cometidos, a privação do poder de que abusaram, a existência prolongada no limiar da fragilidade humana, é esta a única forma adequada de os matar.