O serviço público
Há duas noites, a RTP mandou uma jornalista encher chouriços num directo na rua onde vive o fugitivo americano que agora se encontra por cá em prisão domiciliária. Nada justificaria aquele directo - se a insólita história de George Wright é certamente notícia, nem a chegada do homem a casa seria motivo para um directo num canal de televisão sério, quanto mais uma rua vazia onde o máximo que a jornalista poderia dizer é "por trás de mim fica a casa onde o norte-americano vai ficar em prisão domiciliária". O que, convenhamos, é conteúdo de rodapé.
Logo de seguida, o noticiário da RTP passa para uma história passada no hospital, se não me engano, do Barreiro: uma senhora foi visitar o marido, que lá estava internado, e ao abeirar-se da cama reparou que ele estava morto. Entrevista na hora, com a viúva lavada em lágrimas.
Estas duas notícias seguidas fizeram-me pensar que estava a assistir ao noticiário da TVI, e do período mais yellow da TVI. Mas não: a televisão estava mesmo sintonizada na RTP, no canal público, pago a peso de ouro por todos nós, que manda jornalistas encher chouriços para uma rua vazia à hora do jantar pelo mesmo motivo e faz entrevistas absolutamente sensacionalistas que não acrescentam nada à informação dada. A RTP faz isto apenas e só por um motivo: porque pode. Numa altura em que as inevitáveis medidas de austeridade tornam a vida de muitos portugueses extremamente complicada, nada - nada - pode justificar a manutenção de um canal público cuja programação é indistinguível da programação das emissoras privadas, e que nem acrescenta qualquer valor em termos informativos.
Se a programação da RTP 1 é serviço público - com conteúdos noticiosos sofríveis, concursos de qualidade duvidosa, "ficção nacional", tertúlias da manhã e da tarde insípidas, novelas brasileiras, filmes repetidos e futebol - então o "serviço público" já está mais do que assegurado pela SIC e pela TVI. Privatize-se, pois, o primeiro canal, e imediatamente, que já vamos tarde.