Os enteados da Nação
Na verdade, ninguém está verdadeiramente interessado em saber porque é que os funcionários públicos são tidos pelo que são.
Se estivermos em dia sim e tomados de complacência, vemo-los como uns pobres diabos.
São aqueles cromos queirosianos de sempre, alheados de qualquer chama, brio ou ambição. Uns mangas-de-alpaca empedernidos e previsíveis, tecnicamente desclassificados e com cara de fraco ordenado (que em absoluto merecem).
Mas se estivermos em dia não e tomados pelos azeites, o julgamento enfurece-se e vemo-los com as cores fortes de uma caricatura de Bordalo.
São os agentes do atraso nacional; a corja de incompetentes do costume; os oportunistas com ideário de pacotilha; os abusadores do erário público, bafejados pela sorte imerecida de um dolce far niente que o tesouro nacional sustenta.
É uma vexata quaestio que reproduz o timbre das nossas relações com o Estado, enquanto cidadãos.
Mas o facto é que quem por lá está- ou esteve - sabe bem como as coisas são na realidade.
Um universo laboral igual a muitos outros, onde coexistem bons e maus profissionais; possuídos de espírito de missão ou de puro mercenariado; gente brilhante ou de uma limitação confrangedora; homens e mulheres sérios e 'menos sérios'.
E quem por lá está sabe também que isto acontece a qualquer nível.
Quer quanto aos trabalhadores do fundo da pirâmide, quer quanto aos directores e sub-directores gerais nomeados pelos governos. Porque se estes lá calharam muitas vezes pelos melhores motivos (a competência técnica) não se livram de ombrear com criaturas incapazes e oportunistas.
Cá de fora, vislumbramos sempre a sombra do pecado evidente, os sinais de parasitismo, as garantias especiais (na verdade, lendárias, na pura acepção da palavra).
Presos destes atavismos pré-democráticos, se não conhecemos a realidade, como poderemos sequer apreciá-la?
E perceber os seus efeitos benéficos (ou os seus fundamentos)?
Há uma falta de cultura gritante nesta reprovação social: entendem isto?
Tão confragedora que nem permite alcançar o quanto se reflecte negativamente sobre os todos os cidadãos em geral, e não só sobre os membros da dita classe maldita.