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Delito de Opinião

Nuno Crato, os números e as pessoas lá dentro

Rui Rocha, 30.09.11

O Ministro Nuno Crato tem uma paixão pela matemática. Pois bem, vou dar-lhe alguns números: 349712xxxx; 743578xxxx; 161263xxxx; 408926xxxx. Números são, como quaisquer outros. A diferença é que estes têm dramas lá dentro. O primeiro designa o Ricardo, o segundo a Laura, o terceiro a Joana e o quarto o Paulo. Os números são os que lhe foram atribuídos nos concursos de contratação de professores para necessidades temporárias. O Ricardo deu aulas durante mais de dez anos com contratos precários. Se trabalhasse no sector privado, a empresa que o mantivesse nessa situação já teria sido obrigada a integrá-lo nos quadros. No Estado não é assim. Agora, está desempregado. A Laura deu aulas até 31 de Agosto. Não ficou ainda colocada porque alguns horários anuais foram classificados como temporários. Por isso, colegas com graduação inferior passaram-lhe à frente. Agora está desempregada. A Joana também deu aulas até 31 de Agosto. Ainda não ficou colocada porque a sua graduação não é grande coisa. A lei diz que tem direito a uma indemnização pela caducidade do contrato anterior. O Estado recusa-se a pagar-lhe as importâncias devidas. Agora está desempregada. E faz-lhe falta esse dinheiro. O Paulo concorreu a uma oferta de escola. Poderia ter sido em Almancil, mas foi um pouco mais ao lado. O problema, todavia, foi o mesmo. Critério de concurso martelado para favorecer alguém que, por acaso, era a única pessoa que poderia cumprir as condições exigidas. O Paulo, entretanto, continua desempregado. O Ricardo, a Laura, a Joana e o Ricardo têm famílias, sonhos, defeitos, depressões, angústias, amores, amigos, alegrias e solidão. Podia dar a Nuno Crato mais trinta e tal mil números com pessoas lá dentro que se encontram em situação idêntica. Dir-me-ão que nada do que refiro é novo. Que já acontecia em anos anteriores. E é provável que seja verdade. Todavia, alguma coisa mudou. Os horários disponíveis foram objecto de uma redução significativa. Nos últimos anos, todas as disfunções do sistema estavam esbatidas. Se o Paulo não conseguisse um horário em Quarteira, havia de ter mais sorte em Albufeira, uns dias depois. Agora não é assim. Quem não fica hoje, pode nunca mais ficar colocado. E a falta de esperança é a véspera da revolta. Não se pede a Nuno Crato que contrate um único professor que não se revele necessário. Mas, exige-se-lhe que, nas actuais circunstâncias, seja implacável no combate às perversões do sistema. As que referi ali mais acima e as outras que por aí andam. Que veja os números e as pessoas lá dentro. Que assegure aos números o rigor.  E às pessoas o tratamento digno e justo que merecem.

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