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Delito de Opinião

Voz da Planície

Laura Ramos, 30.08.11

 

Nada como uma pausa num monte alentejano para nos devolver a dimensão do tempo.

Nem tão imóvel quanto agora. Nem tão urgente quanto aquele que nos aguarda.

Esta quietude não é deste mundo. O mundo da pam-politização. Das convulsões. Dos impasses da moeda. Da geo-estratégia. Das culturas decadentes e das economias emergentes. Da insegurança. Do medo do futuro. Do pânico da perda.

- Pânico? - Perda? Não. Subitamente, o mundo é isto, aqui, suspenso na relatividade absoluta de uma abóbada celeste descomunal e perfeita, descrevendo um ângulo raso tão nítido, de extremo a extremo, quanto os milhares de estrelas que semeiam este céu sardento.

Larguei o meu Divórcio em Buda (na verdade, e por hoje, estou um pouco farta das confissões de Kristóf, talvez porque me lembrem um pouco a minha própria vida, tão alinhada entre os apelos do desempenho e as contradições do espírito).
Apaguei as lanternas do terraço e assim fiquei, espectadora da noite, perdida nos enigmas do planeta, nos segredos da vida, nas ironias do tempo, que nos verga e devora. E nós sempre sem perceber porque corremos. - Exactamente atrás de quê?

Quedei-me por aqui dois dias, pertinho de Sabóia, escapando ao êxodo de fim do ciclo de férias. Entre manhãs a contemplar esta lonjura, e tardes longas, ardentes de calor, despeço-me do mar e percorro a costa vicentina: Zambujeira, Alteirinhos, Milfontes… Tudo estereótipos. Redime-me apenas o Malhão. E Porto Côvo (sempre).
Mas as águas quentes... que é delas? Nada nos consola quando se regressa do fidalgo aconchego da Ria Formosa.

Acordo ao som de um ruído compassado que vem da porta do meu quarto: o arranhar das patas do meigo labrador branco, que implora por afagos e atenção.

– E quem não pede o mesmo? Apenas demoramos mais, nós, os humanos. O Óscar, esse, adoptou-nos no espaço brevíssimo de um dia (e teria partido connosco para destino incerto).

O espectáculo do céu despareceu agora, à luz do dia. Cedeu o palco ao horizonte, tomado pela planura e pelos maciços de freixos e amieiros.

Sempre que a vida for insuportável, voltarei aqui, ao som e ao verbo da planície.

Para rever a dimensão pequena da nossa circunstância.

E, como o Óscar, acreditar inabalavelmente nas pessoas.

Confiar e rosnar. Guardar e atacar.

 

Regresso às lides com esta voz por dentro.

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