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Delito de Opinião

A vidinha

Patrícia Reis, 27.08.11

Então o casal arrumou os sacos no carro, abandonou o carro do supermercado e, sem uma palavra ou toque, voltaram para o centro comercial. Qual espião, fui atrás. Ele seguiu para a Fnac, ela para o cabeleireiro (a precisar de retocar as raízes com urgência, não tenho dúvida). Perto do balcão do café com pastéis de nata aquecidos estavam dois adolescentes aos beijos e o segurança veio pedir decoro. Decoro foi a palavra empregue. Um miúdo com rastas passou a comer um gelado enorme que escorria, escorria de felicidade. Na livraria vi que as capas são quase todas iguais, obedecem a critérios que me ultrapassam. Calvino perto de Nora Roberts? Ok. Quem sou eu? Uma senhora perguntou-me onde é a casa de banho. Depois, quase com vergonha, encolheu os ombros, um gesto tímido, e pediu para a acompanhar. Nunca tinha posto os pés num centro comercial. O marido veio ver se arranja trabalho com o cunhado. Para os lados de Sacavém. Tem uma neta com média para entrar em Medicina que é o seu orgulho e mostrou-me a fotografia: tirou o papel da carteira e vi uma miúda com o cabelo escorrido e um sorriso torto. Fiquei de olhos rasos de água à porta da casa de banho das senhoras, atrapalhando o trânsito. Depois o telemóvel tocou e era um dos miúdos, o mais novo. Eu disse: olá passarinho.