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Delito de Opinião

Benjamin Franklin – um homem invulgar

José Maria Gui Pimentel, 23.08.11

“I conceiv'd the bold and arduous project of arriving at moral perfection. I wish'd to live without committing any fault at any time; I would conquer all that either natural inclination, custom, or company might lead me into. As I knew, or thought I knew, what was right and wrong, I did not see why I might not always do the one and avoid the other. But I soon found I had undertaken a task of more difficulty than I had imagined.”


A Autobiografia de Benjamin Franklin é um livro algo ingrato, encontrando-se praticamente em bruto, escrito fraccionadamente e terminando antes da parte mais importante da vida do autor: a Revolução Americana. Apesar destes defeitos, oferece um testemunho raro de viva voz da vida de uma das maiores figuras da sua era, um relato razoavelmente honesto (tanto quanto uma autobiografia pode ser), que permite seguir a evolução do seu pensamento e a construção da sua figura como homem da causa pública. Benjamin Franklin foi um homem verdadeiramente fascinante, representando como ninguém o arquétipo daquilo que viria a ser o cidadão americano, combinando, nas palavras de Henry Steele Commage, “as virtudes do Puritanismo, sem os seus defeitos, e o brilho do Iluminismo sem a sua intransigência”.

O livro permite perceber como, partindo de baixo mas beneficiando de toda a liberdade que a América do século XVIII proporcionava, Franklin foi literalmente construindo a sua pessoa, auxiliando-se principalmente da sabedoria recolhida dos livros (onde cedo percebeu estar o segredo), num trabalho contínuo e paulatino ao longo da vida, até ser reconhecido como a segunda maior figura da revolução americana (apenas atrás de George Washington). A quantidade e a diversidade das empresas que levou a cabo durante a vida fazem perder o folgo, tanto mais que se trata de um homem que viveu numa era em que, por exemplo, uma viagem transatlântica demorava cerca de um mês e meio.

Um filósofo na verdadeira acepção do termo, Franklin deixou à humanidade um legado vasto. Deixou no “Sermão do Padre Abraão” uma série de aforismos que hoje fazem parte da cultura mundial (e.g. “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”). Ademais, fundou a Universidade da Pensilvânia, a Sociedade Filosófica Americana e um dos primeiros grupos de Bombeiros Voluntários na América, contribuindo também para a implantação em Filadélfia do primeiro hospital dos EUA. Paralelamente, foi um dos primeiros defensores da união das colónias, deslocando-se a Londres para lutar pelos direitos dos americanos contra a família Penn, que detinha a Pensilvânia. Na ciência, fez progressos no estudo da Electricidade, demonstrando a natureza eléctrica dos raios, o que lhe permitiu inventar diversos utensílios, dos quais o pára-raios é um exemplo notável (permanecendo actual ao longo dos séculos seguintes), granjeando um enorme reconhecimento internacional.

Já com uma idade avançada (em 1776 tinha 70 anos), teve o papel que se conhece na Revolução Americana, assegurando o crucial apoio da França e sendo o único signatário dos quatro documentos principais da fundação dos EUA: a Declaração de Independência, o Tratado de Paris, o Tratado de Aliança com a França e a Constituição dos Estados Unidos. Regressado de França, ainda foi, aos 79 anos, Governador da Pensilvânia, tendo ainda tempo, posteriormente, para se tornar um activo abolicionista, dando ao mundo uma derradeira evidência do seu carácter de homem à frente do seu tempo.

Pela negativa, desta biografia destaca-se o facto de haver partes da sua vida que Franklin claramente passa em claro, ficando, por exemplo, omissa a questão nunca esclarecida da proveniência do seu filho ilegítimo, William, com quem tinha grande proximidade, mas que acabou por ficar do lado inglês durante a revolução.

 

* O retrato, que se encontra no Metropolitan Museum of Art, corresponde ao período em que Franklin frequentou a corte francesa, que encantou com a sua sagacidade e com o seu estilo que, nas palavras de hoje, corresponderia a algo como um “rústico chique”.

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