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Delito de Opinião

O génio de Fontes Rocha

Pedro Correia, 22.08.11

 

Há uma semana, aos 84 anos, deixou-nos para sempre José Fontes Rocha - o maior génio vivo da guitarra portuguesa. Tal como sucedia com Carlos Paredes, este instrumento musical era nele o complemento perfeito das próprias mãos, tornando-se um objecto mágico que dedilhava com insuperável perícia.

Tive a sorte e o privilégio de escutar ao vivo a arte de Fontes Rocha na fase culminante da sua carreira, quando integrava o Quarteto de Raul Nery acompanhando Amália Rodrigues pelos palcos mais prestigiados do mundo (incluindo o Lincoln Center, em Nova Iorque). Poucos anos antes essa arte ficara bem expressa -- e acessível às gerações futuras -- naquele que é não só o melhor álbum de Amália mas o mais deslumbrante disco desde sempre editado com música portuguesa: Com Que Voz. Os extraordinários dotes interpretativos e vocais da fadista casavam na perfeição com o exímio talento de Fontes Rocha, a quem os guitarristas mais jovens justamente chamavam mestre.

Num característico sinal dos tempos, não li um obituário digno do seu papel na nossa música em nenhum dos principais jornais portugueses, todos muito entretidos com as habituais irrelevâncias de Verão. Até por isso lembro, em jeito de contraste, um magnífico documentário que vi recentemente na RTP 2 intitulado As Cordas de Amália, da autoria de Cristina Margato. Um documentário que reunia Fontes Rocha (então com 82 anos), Raul Nery (88) e Joel Pina (89) lembrando em conjunto os tempos áureos em que acompanhavam Amália pelo mundo. Fala-se agora tanto na necessidade da definição de serviço público de TV: este documentário, para mim, é um exemplo de relevante serviço público. Tal como a magnífica série documental sobre a guerra de África (1961-75) rodada por Joaquim Furtado, ou a biografia televisiva em três episódios de José Afonso assinada por Joaquim Vieira, com um belíssimo título: Maior que o Pensamento. Ou um recente documentário sobre a vida e obra de Vitorino Nemésio que vi também na RTP2. Ou um debate moderado por Paula Moura Pinheiro entre Fernando Pinto do Amaral e Eugénio Lisboa a propósito de David Mourão-Ferreira, esse poeta hoje tão injustamente esquecido. Ou Filipa Melo, em Nós e os Clássicos, à conversa com Jorge Silva Melo sobre um dos melhores romances portugueses do século XX: Húmus, de Raul Brandão. Ou Filipa Leal declamando de modo insuperável o poema Portugal, de Alexandre O'Neill.

Isto é serviço público.

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