Podia ter sido presidente dos EUA
Quando me falam da superioridade dos políticos de outrora face aos actuais lembro-me sempre de Henry Wallace. Quem era? O segundo dos três vice-presidentes de Franklin Delano Roosevelt. Só por 82 dias não chegou à presidência dos EUA.
Esses três meses fizeram toda a diferença. Com Wallace na Casa Branca, a história do mundo contemporâneo teria sido bem diferente.
Rezam as crónicas que Henry A. Wallace (1888-1965) era um dos políticos intelectualmente mais brilhantes da sua geração. Serviu a administração Roosevelt como secretário da Agricultura (1933-40) e ascendeu à vice-presidência no ano seguinte. Não havia ninguém mais à esquerda que ele em Washington: fez uma longa viagem à URSS em Maio e Junho de 1944, a convite de Molotov, ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, e veio de lá maravilhado com o “progresso” e o “desenvolvimento” do país, na altura aliado dos Estados Unidos contra a Alemanha nazi.
No Partido Democrata, nunca gozara de grandes simpatias. Roosevelt só o impusera como vice-presidente entre os seus pares quando ameaçou não se recandidatar à Casa Branca. No Verão de 1944, no entanto, o presidente estava a morrer: o seu cardiologista dera-lhe, no máximo, um ano de vida. As mãos tremiam-lhe tanto que por vezes era incapaz de segurar uma chávena. Mas decidira concorrer a um quarto mandato para enfrentar os meses finais da II Guerra Mundial. O problema era o seu número dois: à luz da Constituição americana, o vice-presidente ascende automaticamente à Casa Branca por morte do presidente. O partido não queria Wallace, que andava “sempre nas nuvens”, se fechava no seu gabinete a aprender espanhol e dizia comunicar com o espírito de um antigo chefe Sioux. O frágil Roosevelt, quase moribundo, recandidatou-se, vencendo a eleição de Novembro de 1944. Mas levou o senador Harry Truman como seu vice-presidente.
Prestaram juramento a 20 de Janeiro de 1945. A 12 de Abril, Roosevelt morreu, vítima de uma hemorragia cerebral. Truman era o novo presidente.
Wallace não se conformou. Quatro anos depois, desvinculado dos democratas, apresentou a candidatura à Casa Branca em nome do Partido Progressista. Dizia-se então“cem por cento pacifista”, defendia o desarmamento integral do arsenal atómico norte-americano e a ajuda maciça de Washington à “reconstrução” da URSS. Na convenção progressista em Filadélfia, chegou a defender que o Ocidente abdicasse da defesa de Berlim “em troca da paz” com Estaline.
“[Wallace] Não consegue ver nada de mal no facto de haver 4,5 milhões de soldados russos estacionados na Polónia, na Áustria, na Hungria, na Roménia e na Manchúria”, anotou Truman no seu diário, nessa amarga campanha de 1948.
Wallace – que contou com o apoio formal do Partido Comunista norte-americano – obteve 1,100 milhões de votos nessas presidenciais, correspondentes apenas a 2,4% do total do escrutínio, ganho por Truman. Um fiasco global. Só em Nova Iorque conseguiu um apoio significativo: meio milhão de votos.
“É uma bênção que o vice-presidente se chame Harry Truman e não Henry Wallace”, escreveu o futuro secretário de Estado Dean Acheson ao filho, pouco depois da morte de Roosevelt, com notável premonição.
Com um presidente Wallace, Washington teria abdicado perante Moscovo nos primeiros lances da Guerra Fria. O controlo soviético da Europa seria ainda mais acentuado. Não teria havido NATO nem Plano Marshall. Não teria havido um presidente firme, como Truman foi.
Talvez por dominar a língua russa, chegou a dizer-se dele que seria um agente encoberto do KGB. Colunistas célebres, como H. L. Mencken, não o pouparam nas suas sátiras. Admirador de Estaline, ultra-esquerdista para os padrões americanos, Wallace virou no entanto à direita logo no início da década de 50. Radicalmente à direita. Desvinculou-se do Partido Progressista e apoiou a Guerra da Coreia como qualquer falcão. Em 1956, aplaudiu a candidatura presidencial do republicano Dwight Eisenhower. Quatro anos mais tarde, esteve com Richard Nixon contra John Kennedy. Um longo caminho fora percorrido desde os dias em que o ex-braço direito de Franklin Roosevelt defendera o desmantelamento das forças armadas norte-americanas e a partilha com os soviéticos do segredo do fabrico da bomba atómica.
Nos últimos anos de vida, Wallace dedicou-se à agricultura, especializando-se em milho transgénico. Há quem diga que era essa a sua verdadeira vocação.
Imagens:
1. Franklin Roosevelt, Harry Truman e Henry Wallace no dia em que este deixou de ser vice-presidente dos EUA (20 de Janeiro de 1945)
2. Wallace na capa da Time (30 de Setembro de 1946)