Baixa-mar
Parado no areal, o cão olhava um ponto difuso, indiferente ao movimento dos veraneantes. A expressão era sofrida. Representava a dor física e psicológica com uma intensidade difícil de surpreender em rostos humanos. A uns metros um gato esquálido parou a avaliá-lo, mas logo se desinteressou, voltando à sua vidinha de trinca-espinhas desenrascado. Até para os felinos com um terço do seu tamanho se tinha tornado irrelevante. Dizem que os animais não têm consciência de si, mas este sabia-se transparente. Caminhava entre as pessoas sem as encarar com a desenvoltura de um agente camuflado e de facto nem para ele olhavam, apesar de ser grande.
Do toldo segui-o. Cheguei mesmo a rodar o tronco para o ver passar, emocionada com a minha própria compaixão. Mas também a mim o cão ignorou e quando se perdeu no horizonte meti a minha bestial sensibilidade onde ele me mandou meter.
"O meu apartamento não é assim tão grande e o gato não o consentiria lá em casa", ainda argumentei antes de me voltar para apanhar um banho de sol.