O sexo da escrita
Tenho habitualmente dúvidas sobre se existe uma escrita "feminina" e outra "masculina", ainda que os próprios conceitos variem conforme o prisma. Mas quando, como hoje, leio belos textos claramente musculados como este, essas dúvidas diluem-se: António Lobo Antunes nunca poderia ser uma mulher. Não porque lhe falte sensibilidade, abrangência ou cor, mas porque tem uma inequívoca "andro-escrita" (às vezes dá-me jeito inventar palavras), que por sinal lhe fica muito bem. Vem isto a propósito de uma dicussão entre amigos sobre o tema, em que ambas as barricadas defendiam acaloradamente a sua dama. Dei comigo a saltitar entre uma e outra, incapaz de me fixar numa opinião definitiva. Havia quem defendesse que, perante uma "prova cega" de textos (como se faz com os vinhos ou com os perfumes), saberia dizer, com uma quase certeza, se eles teriam sido gerados no cérebro de um homem ou no de uma mulher. Do outro lado, contrapunha-se nomes de escritores que se revelaram profundos conhecedores do universo feminino - como Märai, por exemplo - ou de escritoras - como Yourcenar - cuja escrita forte e vigorosa se afasta do cânone feminino e pode levar facilmente um leitor ao engano. Enfim, debateu-se animadamente o eterno assunto, sem que tenha faltado na liça o nome de Amandine-Aurore-Lucile Dupin, baronesa de Dudevant, literariamente travestida de George Sand.
(Nota - Apeteceu-me hoje trazer o assunto para os leitores do DO, com a pergunta sacramental: acha que existe, de facto, uma escrita feminina e uma escrita masculina? Diga de sua justiça.)
Adenda: Por sugestão da Laura, vou promover aqui no Delito, durante o mês de Agosto, algumas provas cegas de textos. Veremos o que dá a experiência. Para evitar que haja muita batota - o google é a cábula perfeita para brilharetes! - as respostas terão de ser fundamentadas.