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Delito de Opinião

Uma questão de pele

Teresa Ribeiro, 01.08.11

Lembrei-me logo daquele telefonema. Do outro lado a minha colega soluçava, ainda em choque: "O médico disse-me que se tivesse passado mais um mês talvez fosse tarde". Referia-se a um melanoma que tinha acabado de extrair. Um sinal a que não dera qualquer importância até ao dia em que uma médica do IPO, que por acaso frequentava o mesmo ginásio, reparou nele e a aconselhou a ir, sem demora, a uma consulta. Solícita, ofereceu-se para meter cunha se houvesse uma grande lista de espera. Havia. E a cunha salvou-lhe a vida. 

Lembrei-me daquele telefonema quando, na urgência de dermatologia, sou atendida por um jovem de olhos coruscantes, que antes mesmo de olhar para a cara da minha filha, nos diz: "Eu não vos devia receber. Sinais nunca são caso para urgência. O que deviam era ter marcado uma consulta". Expliquei-lhe que estávamos ali a conselho de um colega dele, de Clínica Geral, que tinha consultado antes. "Sim?", respondeu enquanto fremia de rabo alçado:

-- Então e o que disse exactamente o meu colega?

-- O seu colega disse que o melhor era ser vista numa urgência de dermatologia.

-- Sim? Só que aqui não temos aparelhos para ver sinais. Só na consulta. O procedimento deve ser esse. Vai à consulta, é observada, depois marca outra para daí a seis meses para ver se ocorreu alguma alteração. É assim que se faz.

O sinal que antes era castanho e liso, agora estava preto, saliente e irregular. Tal como nalgumas fotos que são distribuídas à população nas campanhas de prevenção do cancro da pele. Expliquei-lhe que essas alterações já tinham ocorrido e que por esse motivo o seu colega tinha dito que o sinal era para tirar. Só não sabia se com urgência. A frase excitou-o:

-- Ai ele disse que "era para tirar"?

Só então se dispôs a observar o sinal. Perguntei-me o que nos diria aquele boneco do dragon ball, apreciador de fungos e carcinomas mas não de pessoas, se depois de o examinar, percebesse que era mesmo um melanoma bem nutrido. Daria o dito por não dito, ou manteria o seu discurso para não perder a face?

Felizmente para ele e para nós o caso não era urgente.

-- É congénito e ainda por cima tem pêlos.

Só faltou cuspir-lhe em cima. Mas aquele olímpico desdém deixou-me louca de alegria. Podia, enfim, esperar que a dermatologista que costumo consultar viesse de férias para tratar calmamente do assunto.

Do episódio só me ficou a memória daqueles olhos verde água, a chispar energia cósmica, cheios de raiva contra a Humanidade talvez porque estava um belo dia de praia e havia que ficar de banco no hospital, e da minha vontade de voar dali p'ra fora com a minha menina, num jacto triunfal: kamé hamé!!!

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