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Delito de Opinião

Distribuir cenouras discretamente

Sérgio de Almeida Correia, 22.07.11

 

Angelo Panebianco identificou na distribuição dos incentivos selectivos uma das funções ocultas dos partidos políticos. Os partidos procuram esconder essa distribuição na medida em que saber-se dela contribui para o enfraquecimento da organização e uma diminuição da sua credibilidade e reputação face aos fins que o próprio partido prossegue. Depois da sua institucionalização, o partido e os seus dirigentes necessitam desse tipo de mecanismos para poderem manter a coesão do grupo. E a sua distribuição é uma forma dos dirigentes garantirem a perenidade do poder.

 

Pode-se discordar da visão do politólogo italiano (Modelos de partido - organizacion y poder en los partidos politicos, Madrid, 1995), mas se com o necessário distanciamento formos olhando para o que têm sido estas primeiras semanas de Passos Coelho e Paulo Portas verificaremos que, ao carregar as já sombrias cores do horizonte, as primeiras medidas se traduziram em jogadas de marketing político, algumas importantes, mas que aos poucos se vão esvaziando e perdendo sentido devido à falta de continuidade e à ausência de um pensamento estratégico (mais uma chatice para o Prof. Marcelo e Marques Mendes disfarçarem).

 

A redução da dimensão da estrutura do Governo ao nível do número de ministérios não teve acompanhamento no número de secretarias de Estado, acabando o número destas por ser praticamente idêntico ao do executivo anterior, rotulado pelos novos senhores de despesista, mau gestor e esbanjador. Repare-se que não estou a dizer que assim não tenha sido, mas é agora evidente que houve um aumento da burocracia em alguns ministérios em resultado da criação de superstruturas pensadas "em cima do joelho", e ignorando os "pormenores" detestados pelo Prof. Catroga, para se poder apresentar rapidamente um governo.

 

Os sinais positivos dados para a opinião pública e que resultaram de uma alteração de hábitos injustificáveis no quadro das nossas finanças públicas - cartões de crédito, utilização de carros oficiais fora do serviço, viagens em executiva para percursos reduzidos, entre outras - , aparecem agora com toda a nitidez como medidas desgarradas e parcelares. A decisão, rídicula, de aumentar a temperatura do ar condicionado e eliminar gravatas porque a ministra é friorenta, será uma delas. Com 25ºC, há quem, como eu, tenha a roupa colada ao corpo e tenha dificuldade, quando escreve, fazer deslizar  a mão pelo papel. Recordo-me, aliás, que um dos mais brilhantes constitucionalistas, prematuramente falecido e facilmente reconhecido pela sua simpatia, estatura e volume, só trabalhava com uma temperatura de 18ºC, ou inferior, havendo quem se queixasse do ar condicionado no seu gabinete do Tribunal Constitucional. Para mim, como para esse mestre que tanta falta nos tem feito, trabalhar nas condições impostas pela senhora ministra Cristas, mesmo sem gravata, seria sempre uma violência.

 

As notícias que demonstrem uma redução efectiva da despesa continuam a tardar, sendo certo que para quem andava a preparar-se na oposição para ser governo há tanto tempo, "conspirando" com o senhores Catroga e Moedas, e já tinha a noção, entretanto reafirmada no recente Conselho Nacional do PSD, do desvio que iria encontrar nas contas públicas (manda a verdade que se diga que Passos Coelho não falou em "desvio colossal" e que quem tinha razão era o ministro das Finanças), que tivesse apresentado de imediato as primeiras medidas de fundo - não de fachada - quanto à redução da despesa pública.

 

O tempo vai passando e os portugueses vão ficando com a ideia de que apenas houve uma ligeira mudança de estratégia e de política de comunicação.  O "negócio" continua a ser o apertar do cinto aos contribuintes, através do aumento de preços e da eliminação, redução ou apropriação de subsídios, com a concomitante manutenção de situações de privilégio em relação aos dividendos de grandes empresas, grupos económicos e sociedades "offshore", o que acarreta custos óbvios para a maioria que não pode passar a receber a pensão ou o salário nas Ilhas Cook ou trabalhar para o Dr. Alberto João Jardim, assim cumulando reformas com outras prebendas.

 

O último sinal da "estratégia" de Passos Coelho foi hoje revelado com a notícia do aumento do número de administradores da Caixa Geral de Depósitos, ainda que se fazendo passar a ideia, ao mesmo tempo, de que os encargos serão menores do que os actuais. 

 

Este argumento, em especial depois de se saber que Faria de Oliveira ficará como "chairman" e que Nogueira Leite foi, ou será, um dos escolhidos, faz-nos regressar à lição de Panebianco. Ou seja, não podendo continuar a distribuir incentivos selectivos como antes acontecia e a sua gente estava habituada, o primeiro-ministro e presidente do PSD optou por reduzir o seu valor e por fazê-lo de forma mais discreta. Por vezes, e esse não é o caso do Prof. Nogueira Leite que nas posições defendidas e dentro da sua lógica foi sempre coerente, isso até pode passar pela contratação para os gabinetes ministeriais de um ou outro "molusco" que poderia causar problemas de imagem à sua "estratégia".

 

Falando claro: importa que os portugueses tenham a noção de que continua a existir uma grande distância entre as palavras e os actos. Em vez de distribuir, como outros fizeram sem qualquer decoro, cenouras grandes pelos acólitos, Passos Coelho oferece agora cenouras mais pequenas. Mas continua a oferecer cenouras. Em tempos de crise, para quem vive dessas cenouras, é melhor do que nada. Os lugares sempre dão algum status e permitem acesso a informação e contactos que de outra forma não se teriam. Além de que, da parte de quem distribui os incentivos, essa é uma forma de ir mantendo o partido controlado enquanto se fala nos maus exemplos deixados pelos antecessores e se reza para que a sorte e a descida dos juros permita ir, discretamente, aumentando o tamanho das cenouras e o número de contemplados.   

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