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Delito de Opinião

Contra o lixo mediático

Pedro Correia, 11.07.11

 

A diluição dos patamares éticos no jornalismo contemporâneo - um facto cada vez mais evidente - teve o seu apogeu no caso que acaba de levar Rupert Murdoch, o mais poderoso magnata da imprensa internacional, a decretar o encerramento do jornal dominical londrino News of the World, apesar de este periódico manter o invejável título de recordista absoluto de vendas no Reino Unido e lhe render cem milhões de dólares anuais. Há muito que o semanário era sinónimo de contrafacção mediática. Mas o panorama agravou-se sob a direcção de Andy Coulson, entretanto nomeado director de comunicação do primeiro-ministro David Cameron, e de Rebekah Brooks, agora braço direito do magnata no universo da News Corporation - o conglomerado de órgãos informativos da galáxia Murdoch.

Sabe-se agora - por revelações do Guardian, um dos sobreviventes da imprensa séria britânica - que muitas das manchetes bombásticas do News of the World foram obtidas em flagrante violação do direito à privacidade de milhares de cidadãos, recorrendo a expedientes criminosos, incluindo escutas ilegais e suborno de polícias.

Do príncipe Carlos a actores como Sienna Miller, Gwyneth Paltrow, Jude Law e Brad Pitt, passando pelo ex-primeiro-ministro Gordon Brown e familiares das vítimas do brutal atentado terrorista de 7 de Julho de 2005 e de soldados britânicos mortos em combate no Iraque e no Afeganistão - toda esta gente foi alvo de escutas feitas por detectives a soldo do semanário. Até as comunicações telefónicas de uma adolescente que viria a ser raptada e assassinada foram interceptadas e transformadas em "notícias" por estes caçadores de escândalos.

"Maus profissionais deram mau nome a uma boa redacção", afirmou o actual director do jornal, que publicou ontem a última edição, após 168 anos de existência. Há males que vêm por bem: Murdoch, um notório disseminador de tablóides, introduz alguma higiene no jornalismo do Reino Unido. Mas só o faz sob pressão das circunstâncias, dada a dimensão que o caso assumiu e após quase todos os anunciantes terem anunciado que retirariam dali as suas campanhas publicitárias. E também para evitar um veto do Governo à compra da totalidade da televisão por satélite BSkyB, o seu objectivo comercial imediato. "É uma vitória das pessoas decentes em todo o mundo", comentou o deputado trabalhista Tom Watson.

Seria bom que todos os jornalistas reflectissem profundamente neste caso: o News of the World violou regras básicas da profissão ao pactuar com crimes e cometer outros. Infelizmente, era premiado por uma multidão de leitores que devorava com avidez esta edição dominical do Sun: em média, o jornal vendia 2,8 milhões de exemplares. Mais lamentavelmente ainda, muitos proprietários de jornais - e, pior que isso, muitos jornalistas - defendem este modelo de imprensa. Em nome das tiragens, das audiências, do "sucesso". Esquecendo que o verdadeiro jornalismo é o que cumpre as regras deontológicas, contribui para uma sociedade mais adulta e torna o público mais esclarecido. O resto resume-se a uma palavra: lixo. Mesmo que venda muito nas bancas, tenha imenso sangue a escorrer dos títulos e faça avolumar certas contas bancárias em vários milhões.

A decência não tem preço. E a dignidade também não.

2 comentários

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    Pedro Correia 13.07.2011

    Os meus avós ensinaram-me o mesmo, tal como os meus pais.
    Obrigado pelas suas palavras, David.
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