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Delito de Opinião

Mau jornalismo

Sérgio de Almeida Correia, 04.07.11

O Expresso titulava no sábado passado, na sua última página, que "Francisco José Viegas deve € 42 mil ao fisco". Este mesmo título, ou outros de idêntico cariz, foram usados por mais alguns jornais, criando na opinião pública a ideia de que, efectivamente, o secretário de Estado da Cultura deve € 42000,00 ao fisco. Depois, quando se lê a notícia e se confronta com a nota de imprensa publicada pelo gabinete daquele membro do Governo, verifica-se que a alegada dívida foi objecto de reclamação, procedimento normal e legalmente admitido. 

Pode ser que efectivamente exista uma dívida por parte daquele contribuinte, mas neste momento o que há é apenas um contencioso, normal, entre a Administração Fiscal e o contribuinte. O facto daquela beneficiar de uma penhora a seu favor não transforma em indiscutível a liquidação efectuada, nem é garante da sua conformidade com a lei.

A Administração Fiscal goza de diversas prerrogativas, mas ao contribuinte, seja ele um cidadão anónimo ou um membro do Governo, é obviamente legítimo contestar o acto de liquidação, os seus pressupostos, montante ou a própria operação de liquidação que não raras vezes enferma de erro de cálculo. Infelizmente, multiplicam-se as situações em que o abuso do fisco acaba por só ser corrigido em tribunal, porque existe uma cultura burocrática enraizada que leva a que mesmo nas situações em que não tem razão o fisco tente receber do contribuinte aquilo a que sabe não ter direito. Os que têm meios reagem, os que não os têm muitas vezes acabam por pagar só para evitarem maiores despesas e incómodos, em especial quando as alegadas dívidas são comportáveis para o orçamento familiar.

A forma como a comunicação social deu a notícia em causa transforma um contribuinte que se limitou a exercer um direito num relapso, transmitindo aos leitores a ideia, errada, de que o secretário de Estado pretende fugir ao fisco.

Francisco José Viegas não me passou procuração, nem me incumbiu da defesa da sua posição, mas se refiro este caso é apenas porque o excelente trabalho de que constante e muito justamente se refere que foi produzido por Paulo Macedo, enquanto director da DGI, continua a não ter correspondência numa prática de respeito pelo contribuinte. Atitude negativa em relação aos contribuintes que, inclusivamente, como se vê pelo exemplo dado, se reflecte na forma como são dadas as notícias pelos mais insuspeitos jornais.

Eu gostaria que estas situações fossem corrigidas, desde logo de um ponto de vista jornalístico. Mas também numa perspectiva administrativa e judicial. E que não o sendo pela via graciosa o fossem pela judicial com brevidade, sem que os interessados ficassem durante anos a aguardar uma decisão de um tribunal superior, mesmo depois de terem obtido decisões favoráveis em primeira instância, do MP reafirmar a razão dos contribuintes ao longo do processo e dos próprios serviços do fisco produzirem informações dando razão ao contribuinte, período durante o qual estes continuam a suportar o elevado custo de garantias bancárias ou das cauções leoninas que lhes são impostas para suspensão das execuções até decisão final. 

É mau que estas coisas continuem a acontecer desta forma, mas pode ser que o facto de membros do Governo serem apanhados na rede kafkiana do fisco poderá funcionar como um alerta e sensibilizar quem tem de legislar e de reformar, levando-o a prestar atenção ao que sucede com todos aqueles que não tendo a mesma facilidade para fazerem uso dos mecanismos legais de defesa ao seu alcance, são permanentemente olhados com desconfiança e tratados como potenciais criminosos e incorrigíveis relapsos pelos poderosos senhores dos impostos.

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