Diário irregular
3 de Julho
A escrita, o acto de escrever, é um risco. No papel ou no espaço virtual, o risco transporta-se de um dia para o outro, de um mês para outro, de uma vida para outra vida. O risco é o registo, a marca de um tempo, que mesmo quando se risca permanece indelével; como uma pele que não se pode substituir e que só desaparecerá no dia em que o corpo onde ela assenta se tornar em pó.
Percebo que alguém a quem cortam uma parte do vencimento esteja disposto a engolir alguns sapos e aturar aqueles que antes violentamente criticou para poder recuperar o poder que lhe permitirá comprar mais alguns livros e discos. Ou esperar que no futuro alguns mais lhe sejam oferecidos. Trata-se de um exercício difícil mas não impossível, tudo dependendo da viscosidade do verme. Nunca compreenderei aqueles que sendo insultados se predispõem a comprar o silêncio do que insulta e a conviver com ambos.
Os políticos deviam começar a ser cotados em bolsa. Porque um hipócrita com poder causa mais danos à sociedade e à democracia do que um corrupto. Um corrupto despreza-se. Elimina-se. Um hipócrita serve de modelo e permite a reprodução da espécie.
Já se sabia que atribuição de condecorações não passava, na maior parte dos casos, de uma forma do poder recompensar os subservientes. Um agradecimento aos eunucos que lhe servem, e aos seus, de capacho. Depois do que esta noite ouvi sobre a eventual e oportuna fusão de universidades públicas, percebi melhor a forma como alguns prosperam. As épocas de crise são iguais a qualquer outra: a via uterina continua a ser a maior garantia de sucesso de certos investimentos.
Entre os que começam a aparecer para cobrar o preço do sucesso, há quem o faça recatadamente. E quem avise logo ao que vem. Numa perspectiva de transparência, eu prefiro os segundos. Como o líder regional da Madeira. Com o Governo empossado, anunciou que está na hora de cobrar. Em euros. E não são os eventuais direitos de autor do livro de Ribeiro Cardoso. Espero que o novo ministro das Finanças possa dar a Alberto João Jardim os merecidos “troikos”.
A predisposição do Governo de não fazer férias e de, imagine-se, apadrinhar o encurtamento das parlamentares, pode ter efeitos ainda mais nocivos no humor dos portugueses. O Verão tem contribuído para uma melhoria, breve, da auto-estima dos indígenas, constituindo um momento de renovação do léxico político. Este ano vai ser diferente. Temo que o encurtamento da estação por razões económicas possa afectar ainda mais a nossa saúde colectiva. Preocupa-me a hipótese de haver “rentrée” sem férias, sem uma “silly season” à altura da crise. Depois do número do ano passado em Quarteira, da nomeação de Cecília Meireles para a secretaria de Estado do Turismo, e dos sobas algarvios terem ficado apeados - o que se reflecte no seu silêncio -, duvido que o líder regional do PSD, mesmo tendo cara para repetir o número, encontre convivas à altura. O fumo que se vê no céu já não é dos foguetes que anunciam a festa.