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Delito de Opinião

Notas de viagem (1/5: Zermatt)

José António Abreu, 28.06.11

Preâmbulo

Estou de volta (estejam à vontade para festejar porque, por muito que goste de vocês – especialmente de ti; sim, tu, com o Toshiba cor-de-rosa –, não serei eu a fazê-lo). Tendo rabiscado umas quantas notas que não cheguei a publicar, vou desfazer-me delas durante os próximos dias. Depois talvez comece a prestar atenção ao novo governo. Ou não: estados de graça não combinam comigo.

Não me perguntem porquê mas o Matterhorn fascina-me. Há um ano passei uma semana e tal na Suíça mas não tive oportunidade de chegar tão a Sul. Por isso este ano conduzi de Milão até Zermatt, passando pelo lago Como, pelo Ticino e pelo vale de Domodossola, em grande medida para o ver. A minha opinião sobre a Suíça continua a ser extremamente positiva e não, o Federer nada tem a ver com o assunto – ou talvez apenas um pouco mas não mais do que o chocolate. A circunstância de ter nascido junto ao sopé da Serra da Estrela poderá ser mais relevante (acredito que há uma espécie de genética do local de nascença) mas, acima de tudo, gosto na Suíça da mistura de natureza agreste com civilização. E do facto de as temperaturas raramente atingirem valores excessivos (o meu cérebro entra em default quando os termómetros sobem dos vinte e cinco graus). Claro que em férias também não convém que esteja muito frio nem que chova nem que a paisagem se encontre por trás de um manto de neblina. Felizmente, apanhei um tempo espectacular. Tão espectacular que apenas o topo do Matterhorn se manteve permanentemente encoberto. Juro que aprecio a ironia. Seja como for, o resto mais do que justificou a deslocação. E sempre posso fazer novo desvio para o ver quando for, sei lá, à Sicília.

Em Zermatt não circulam veículos com motor de combustão interna. Os automóveis têm de ser deixados em Täsch, a cerca de cinco quilómetros e meio. A partir daí, usa-se o comboio. Os hotéis de Zermatt enviam pequenos veículos eléctricos à estação recolher hóspedes e bagagem. São veículos curiosos, paralelepípedos toscos com rodas. O condutor do veículo do hotel Mirabeau (o buffet de pequeno-almoço tem pães e bolos sublimes) usa uma plaquinha com o nome “Jorge”. É português. Explica que se encontra em Zermatt há cerca de quatro anos e que está longe de ser o único português ali. Ouviu dizer – não sabe se é verdade – que são perto de três mil ou quarenta por cento da população. Sei que há muitos portugueses na Suíça mas ainda assim fico surpreendido. Rapidamente constato que os números de Jorge não devem andar longe da realidade. No hotel, um Avelino leva a bagagem até ao quarto. Mal regressado à rua, cruzo-me com um homem vestindo uma camisola do Futebol Clube do Porto. Grupos passam a falar em português. Crianças com trotinetes gritam em português. No dia seguinte, a funcionária de uma loja, rapariga louríssima, explica em português que, não sendo portuguesa, como tem amigas que o são já consegue falar a língua. Digo-lhe que a fala muito bem (é verdade). Torna-se simultaneamente gratificante e desconfortável estar rodeado de tantos portugueses. Gratificante porque, apesar de me encontrar no coração dos Alpes, é como se não se estivesse verdadeiramente num lugar estranho. Desconfortável porque sinto ter usurpado um poder que não condiz comigo: tão português como os restantes, por que diabo gozo do privilégio de ser turista? Mas ei – isto sou eu. Felizmente muitas pessoas não têm pruridos deste género (desconfio que algumas até gostarão de poder sentir-se superiores) e, de qualquer modo, questões existenciais não devem dissuadir quem quer que seja de ir até Zermatt ou qualquer outro ponto da Suíça. Aliás, vai-se a ver e é por serem confeccionados por portugueses que os pães e os bolos são tão bons.

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