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Delito de Opinião

Diário irregular

Sérgio de Almeida Correia, 24.06.11

24 de Junho

 

Nem as actividades nem os sucessos são apreciados por toda a parte segundo o mesmo critério. No seio da mesma sociedade não existe apenas um só tipo de homem exemplar” – Raymond Aron, Memórias

 

O pensamento que estimula é aquele que muitos anos ou séculos depois permanece actual, aberto à discussão, que mantém a susceptibilidade para perturbar, que questiona as nossas aparentes verdades e instila a dúvida nos faz crescer. Não sei até que ponto Aron terá razão. Sou incapaz de concluir, como ele, que não existe apenas um tipo de homem exemplar. Para mim, a exemplaridade é una, unívoca, não admite tonalidades. Ou se é ou não se é. Poderá é haver várias maneiras de encará-la.

 

Hoje reli o artigo que Pedro Lomba escreveu para o Público sobre a formação de magistrados no CEJ. Concordo com muito do que ele ali escreveu, porque há questões que nos transcendem e em relação às quais as diferenças ideológicas não relevam. De qualquer modo, em termos éticos, dentro do seio de uma mesma sociedade, a formação do espírito de autodefesa e de corporação não é só o resultado de uma aprendizagem deficiente ou que se escora em teses viciadas. Isso ainda é uma consequência do desregramento ético, da subversão do espírito e da sensibilidade em relação ao que é verdadeiramente importante e capaz de determinar o futuro. Individual e colectivo.

 

Aqui há dias dias sucedeu com uma notícia do Público que passou despercebida. Repetiu-se na edição desta manhã do Correio da Manhã. O título da primeira página explica a falta de razoabilidade do novo Acordo Ortográfico em relação a algumas questões práticas. A eliminação do acento agudo na terceira pessoa do singular do verbo “parar” torna-a igual à preposição. Mas se no Público o acento foi eliminado de vez, o Correio da Manhã voltou a acentuá-la. E só assim faz sentido: “Falta de dinheiro pára 237 carros da PSP” não é nem nunca será o mesmo que “Falta dinheiro para 237 carros da PSP”. Por muito que custe aos defensores do acordo e a todos os que não distinguem um grave de um agudo. E na manchete de um jornal ainda faz mais diferença.

 

O Bloco de Esquerda continua a dar que falar. Foi Fernanda Câncio no DN. Ela fala em “harakiri”. Eu em 23 de Janeiro pp. sentenciei a morte do partido (“O BE como alternativa acabou hoje”) e riram-se. Reafirmei-o em 15 de Fevereiro, ao referir-me a Francisco Louçã quando escrevi que “um líder temido e respeitado que se transforma tão rapidamente em bicha-de-rabear devia ter a lucidez de se ver ao espelho. E rir-se. Ou ir-se. Qualquer uma das decisões seria sinal de sensatez”. Os acontecimentos dos últimos dias, para desgosto de alguns leitores deste blogue, só o vieram confirmar. O BE extinguir-se-á sozinho no processo autofágico que encetou.

 

Francisco Assis fala em “ruptura com o passado” e já diz que “a pior coisa que o PS tem é que está muito dominado por pequenos e minúsculos interesses políticos”. São estas coisas que me perturbam. Bastaram duas semanas e ele já descobre no PS aquilo que nunca vislumbrou nem sequer remotamente em seis anos. Gostaria de o ter ouvido dizer isso quando a situação se começou a degradar, há quatro anos atrás, quando começaram a “dar corda” a esses pequenos e minúsculos interesses que se apoderaram das estruturas do partido e que desde o dia 5 de Junho correm em massas compactas de um lado para o outro do estábulo, balindo sem parar, por não saberem por onde entrará o lobo que uiva. A forma como esta gente já se posicionou e está pronta a esquecer a herança que ajudaram a deixar é tenebrosa.

 

António Barreto não perde tempo e esta manhã já passava pelos microfones e pelos jornais alertando para os perigos que aí vêm quando a nova clientela substituir a velha. Esse será um momento decisivo para Passos Coelho mostrar a diferença, antes dos “Marcos Antónios” começarem a distribuir os biscoitos pela tribo. Poderá ser mais um sinal, como foi o das viagens em económica. Um bom sinal. Não o confundo com populismo nem com demagogia porque entendo, como sempre disse e escrevi, que há sinais que têm de vir de cima. E esse é importante para que aqueles que perderam o abono de família percebam que estamos todos no mesmo barco. Também espero que seja para durar e que não aconteça o que se passou em Macau, no tempo de Rocha Vieira, quando a poupança pública virou pelintrice. E depois esbanjamento oculto com os nepotes. Não será agora o caso, mas antes que alguém se lembre de mandar comprar bilhetes de executiva para depois trocá-los pelos de económica para receber a diferença em dinheiro, pedindo depois às secretárias que telefonem para as agências solicitando “ofertas” de “upgrades”, que é uma outra forma de corrupção, o melhor mesmo é Passos Coelho deixar estas coisas claras desde o início. E de preferência por escrito, sem deixar, contudo, de salvaguardar que nos voos para fora da Europa ou nas visitas oficiais o primeiro-ministro e a sua comitiva não viajarão em turística. Aí é a representação de todos que é posta em causa e há ridículos evitáveis.

 

A noção de ridículo é algo que a meu ver se me afigura desconhecida para os lados dos CTT. Desde que se começou a falar em privatização e desataram a mudar logótipos, a comprar e a vender imóveis, livros, canetas, telemóveis, bilhetes para espectáculos e até cromos da bola, despedindo pessoal para logo a seguir contratarem os mesmos a termo certo, enquanto nomeavam amigalhaços sem qualificações e transformavam uma empresa respeitável e respeitada numa sucursal das trapalhadas onde estão metidas as clientelas partidárias, com inevitáveis consequências no aumento dos preços e na degradação da qualidade do serviço prestado, era previsível que acontecessem situações como a que os jornais relataram. É a nomeação de gente deste calibre e de episódios como o que sucedeu com Mata da Costa que Passos Coelho terá de evitar se quiser conquistar o respeito dos portugueses. A confiança já obteve. Agora é preciso que não faça como outros e não abuse dela.

 

A canícula traz consigo a inércia. Os corpos torna-se mais pesados, incham, têm dificuldade em se mover. Esperemos que as coisas se mantenham assim por mais algum tempo. Há inadiáveis para cumprir. E o que terá de ser esclarecido poderá ficar para mais tarde. Esclarecer o peso das maçonarias neste Governo não é uma urgência. O País e os seus compromissos estão primeiro. Cada coisa a seu tempo.