Diário irregular
21 de Junho
“Quem rega com amor não morre.
Conhece o início
E os fins do tempo.
Quem rega com amor não morre.
Adianta-se à terra
e serve.” – Ruy Cinatti, Princípio e Fundamento
Saber cortar com o passado, fazer rupturas com tudo aquilo que deve ser rompido, que não pode nem deve continuar a ser procrastinado, penso ser neste momento o desejo de qualquer português e cidadão honesto. Todos sabemos que a situação é má, que a hora é grave, que o tempo não espera. E não deverá ser por mera desconfiança ideológica que se deverá duvidar do empenho dos homens.
O Presidente da República fez um discurso incisivo. Cru. Fez um bom discurso. Talvez se tenha querido demarcar, sublinhar o seu papel perante o recém empossado primeiro-ministro. Se foi essa a intenção fê-lo bem. As palavras não soaram a falso, exigindo apenas a concretização a que só os actos e o tempo poderão dar resposta. Só não percebo por que raio o PR continua a misturar as coisas que só ele entende (“cooperação activa”) com a linguagem que qualquer português domina (“compromissos alargados a outras forças políticas”, “diálogo e concertação com os agentes económicos”, “responsabilidade de empregadores e trabalhadores”). Pareceu-me oportuna a referência de que há cada vez menos tolerância dos cidadãos em relação a quem governa (e ainda bem), que se impõe justiça na repartição dos sacrifícios, maior energia no combate à corrupção e um travão à promiscuidade entre interesses públicos e privados, impondo-se premiar a competência e o mérito e colocar um ponto final ao rotativismo de clientelas. E as notas de que Passos Coelho dispõe da força de um resultado eleitoral inequívoco, à existência de uma maioria no Parlamento e ao apoio antecipado do PR, são importantes neste momento. Para que amanhã, se necessário, possam ser recordadas.
Registei das palavras calmas do novo primeiro-ministro a indicação de que “chegou ao fim um certo tipo de governação e de entendimento entre o Estado e a sociedade”. Se se quer fazer o País avançar é mesmo por aí que se tem de caminhar. Os sinais, como os discursos, podem antecipar acções concretas. Ou não passarem de desejos. Para já dou ao discurso de posse deste primeiro-ministro o mesmo crédito que dei ao do anterior. Em 2005. Que o de 2009 foi a antecipação do fim e não me mereceu atenção. Uma governação ajuizada – nem me atrevo a dizer boa – levará ao alargamento da base de apoio do Governo, à melhoria dos indicadores e da auto-estima dos portugueses e a um sopro de confiança no regime e nas suas instituições. Se tal acontecer, para lá do vastíssimo campo das diferenças ideológicas, serei o primeiro a assinalar o facto.
Lá em casa ficaram a conhecer a gravata do Adolfo. Pela televisão. Fiquei satisfeito por vê-lo falar com à-vontade e a indispensável sobriedade de quem se sabendo competente não pode perder as referências por passar a fazer parte daquela casa. Deposito nele, enquanto colega, companheiro de blogue, pessoa que encarna um espírito jovem, bem formado, irreverente e descomprometido, e agora deputado, a mesma esperança que deposito na prestação parlamentar da Isabel Moreira e de tantos outros. É com eles, e por pessoas como eles, à direita e à esquerda, que terão de passar as mudanças políticas em Portugal e muito em particular no Parlamento.
Saber da indicação da Assunção Esteves como candidata do PSD e depois da sua eleição como Presidente da Assembleia da República com uma ampla maioria é uma boa notícia. As suas qualidades, independência de espírito e mérito académico, profissional e intelectual, são indiscutíveis. O facto de ser mulher talvez evite algumas ordinarices e despropositadas brejeirices que ultimamente se ouviram naquele lugar e confira equilíbrio, autoridade e mais moderação ao maltratado discurso parlamentar. Incompreensíveis, porém, continuam a ser as razões por que Passos Coelho e a direcção do PSD entendiam que Fernando Nobre estava no mesmo patamar da Assunção para poder desempenhar tal cargo. Estimular a cidadania e chamar independentes para funções de responsabilidade não é critério que se possa sobrepor ao da competência. Sabe-se que nem todos os voluntarismos são benéficos. O triste episódio Fernando Nobre, que não começou agora mas no dia em que lhe sugeriram candidatar-se a Presidente da República, não deverá ser esquecido. Também a atitude de Passos Coelho e tudo o que esta revelou de insensatez e imprudência, agravada pelo segundo “chumbo” a Nobre, perfeitamente escusado e numa altura em que era cristalino que a candidatura não vingaria, ficará por todos registado. Espero que com algum proveito. Para que erros desse jaez não se repitam.
A esperança é aquela parte de nós que sobrevive ao caos. A metade que respira quando a outra parte falece. A luz que nos invade quando a noite soçobra. A esperança é também uma coisa de tímidos que se escondem por detrás da coragem. O XIX Governo Constitucional tomou posse já o Sol ia alto. Tomou posse sem direito a Primavera. No dia em que o Verão se apresentou. Talvez por isso é que a luz de hoje seja mais branca, mais quente, mais profunda e mais esperançosa. A água voltou a correr.