Diário irregular
1 de Junho
“Teimoso”, remordia o coronel à socapa. “Há seis anos que fazemos fogo desta posição e vem este tipo agora com partes.”
“Conta com a segurança do material, é o que é.”
“Há-de valer-lhe de muito a segurança, com um ângulo de queda destes.” – José Cardoso Pires, O Hóspede de Job
Estava a relê-lo quando me lembrei de uma notícia de ontem no Público, do Nuno Pacheco, a propósito do novo Acordo Ortográfico. Escreveu o jornalista que ninguém o discute, que não vai a votos e que, mais curioso, nenhum dos partidos concorrentes às eleições recorreu àquele para escrever os seus programas eleitorais. Quando há dias falava em hipocrisia e na dimensão que a coisa está a tomar não pensava só no que os fulanos dizem. Nestas alturas, que são aquelas que importava discutir, ver as razões e os argumentos, como também no caso do outro acordo, no do FMI, é que se vê como tudo isto está distante da realidade, do país, das pessoas. Agora é que é oportuno falar de tramóia, de moscambilha, de urdidura. Quando a vaidade se alia à esperteza ignorante, à teimosia e à falta de competência, a malha só pode ser de estalo.
Baptista-Bastos faz no DN uma síntese magnífica dos cavalheiros. Daquilo que importa reter. Em relação a um deles não era preciso dizer nada. Ao fim de seis anos de Governo já todos os portugueses o conhecem sem que haja necessidade de lhe desvendar mais algum segredo. Sem querer tornou-se transparente. E também incómodo. Cada um que o julgue por si. Já quanto ao outro, Passos Coelho, faz todo o sentido sublinhar que “é um homem perigoso pelo que afirma e, sobretudo, pelo que involuntariamente dissimula”. Basta pensar no que aconteceu com a conversa a sós e com o telefonema que acabou em reunião. É esta vertente, assim como o seu percurso político e profissional, que o não distingue em nada do outro, e, em especial, o olhar daquela matilha que o rodeia e que está ansiosa por “agilizar” processos - que é uma outra forma de contornar as regras e arranjar uns tachos -, que assusta. Entregar os hospitais aos gestores que amanhã irão dizer aos radiologistas quais as películas que deverão adquirir, e a que empresas, da mesma maneira que a escola pública se transformará no vazadouro do lixo das privadas que todos iremos pagar, para que outros que não teriam lugar numa escola pública de excelência pudessem tirar um curso superior, depois de uma vida passada nos corredores do Parlamento, nem será o pior. De uma maneira ou de outra, com os resultados que se conhecem, já temos tido disso e o currículo de muitos candidatos espelha essa realidade. Pior é o que será, o que, como ele escreve, “pode muito bem suportar um tirano a posar de democrata”.
Qualquer pessoa minimamente interessada e de boa índole percebeu há muito tempo, demasiado, que o barco estava a perder contentores pelas amuradas, tanto de estibordo como de bombordo. Houve quem o dissesse, ou que o escrevesse, no tempo e no lugar devidos. Sem que para isso tivesse de ser comprometido, politicamente faccioso ou arrivista. E não foi só nos últimos seis ou nove anos.
O outro, o dos refugiados, não quis nada com ele. Melhor, correu com ele. Ele ofendeu-se porque não lhe deram a desejada tença. Não lhe reconheciam o valor e "emprateleiraram-no". Despediu-se do PS e apoiou o Barroso. Acabou inscrito no PSD e dedicou-se, diz ele, à docência. Em maledicência doutorou-se. Deram-lhe ouvidos, abrigo, “enturmaram-no”. Ou melhor, deram-lhe estatuto, que era o que buscava. Agora apelida os antigos companheiros, os que antes lhe arranjavam trabalho, com o mimo de “alarves”. É certo que não consegue deixar de ter dificuldades com a ortografia, mas isso são minudências para um “senhor doutor” como ele. No meu íntimo, quando o leio, convenci-me de que ele já trabalha para o próximo Acordo. Mas enquanto este não chegar, e não lhe derem o pelouro das revisões, vai-se pavoneando e “dando conferências”. A ver se chega a ministro, digo eu. Enfim, com a procura de lugares, se tivermos sorte e rezarmos, é capaz de chegar primeiro a grão-mestre. Oxalá que consiga.
Se os portugueses forem tão previdentes nas legislativas como foram nas presidenciais, ainda antes do Verão vamos ver mais vezes o regressado “menino-guerreiro”. Alea jacta est.