Jacarandás
Contrariando olimpicamente a ancestral aversão nacional à alegria, os presságios de pestes negras, misérias pardas e um sortido rico de desgraças a bater-nos à porta (para não falar das que já se instalaram, abusadoras, nos nossos descoloridos sofás, pagos a prestações em tempos de vacas anafadas), as estatísticas e previsões de arrepiar os cabelos a quem ainda os tem, as escandaleiras para todos os gostos, as filas da segurança social, o galope do desemprego, o tédio de mais uma campanha eleitoral, as trapaças do costume, os gordos da Júlia, as tribais falácias e humilhações de condes de papelão e estrelas (de)cadentes, o fado choradinho de faca e alguidar, o copo-de-três mal medido, o cheirinho, o mata-bicho, a bica pingada, a lamúria das salas de espera dos centros de saúde, a fome envergonhada, a fome sem-vergonha de poder e lucro, o crédito mal parado, a justiça parada de vez, o imparável apertar de cinto... ah, eles aí estão, indiferentes a tudo, vestindo as ruas de um azul descarado e eufórico. Azul-alfazema, azul-Quénia, azul-violeta, azul-lavanda, azul-anil, azul-lilás. Eu chamo-lhe azul-Leonor, como me ensinou a minha avó. A minha cor favorita.
Os jacarandás floriram uma vez mais, exuberantes, talvez a lembrarem-nos de que ainda estamos vivos.