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Delito de Opinião

Evidências que não o são - condição feminina

Ana Margarida Craveiro, 18.05.11

Surpreende-me que em pleno século XXI ainda seja preciso discutir este género de questões:

1. em Portugal, um violador de uma grávida de 8 meses (pior, um prestador de cuidados médicos) sai impune, porque a juíza considera que não houve violência (é a chamada violação gentil, ou com jeitinho). Como se uma violação não fosse violência suficiente.

2. em Inglaterra, discute-se a diferença entre violação a sério, e violação mais ou menos (parece que há umas que têm vontade de ser violadas).

3. em França (e também por aqui), um homem poderoso é um santo, e tudo o que faz em privado são meros pecadilhos (incluindo a tentativa de violação). A polícia e o sistema judicial são abusadores deste mesmo homem, ou jogadores numa teoria internacional de conspiração. A vítima? Não interessa nada, é uma empregada de hotel.

 

Um problema europeu? Pois, parece bem que sim. Na Europa, aparentemente é perigoso ser-se mulher. E eu confesso que não o sabia.

3 comentários

  • Clinton não violou ninguém. Quanto muito, abusou da posição de poder que detinha. Em todo o caso, nunca ninguém referiu a falta de consentimento de Lewinski. Noutro contexto (em casa dele, por exemplo), o assunto seria completamente do foro privado, e a ser resolvido pelos três (B.C., Hillary e M.L.).

    Eu trocava a nossa fabulosa e tão bem avaliada justiça pela americana sem sequer estremecer.
  • Sem imagem de perfil

    Alberto Cunha 18.05.2011

    O chamado "escândalo Lewinsky" teve como causa a questão de cariz sexual que se conhece, mas os seus contornos judiciais têm carácter penal, pq conduziu à acusação do Presidente Bill Clinton pelo crime de perjúrio.
    Foi ao desfecho dessa questão penal que me quis referir ao fazer alusão ao caso.
    A razão dessa alusão não foi, por isso, o crime em causa, mas sim a pessoa do acusado.

    A nossa Justiça não é assim tão fabulosa. Tem virtudes e defeitos. Têm-se assinalado os defeitos e esquecido as virtudes.
    Por comparação com a Justiça americana (que mal conheço), tem algumas vantagens. A saber:
    - Nos EUA a decisão de acusar (de perseguir criminalmente alguém) obedece a critérios de oportunidade política, uma vez que os Procuradores são politicamente nomeados (eleitos), mantendo ligações políticas estreitas com os presidentes das Câmaras (Mayor's). Seria fácil de imaginar o que aconteceria se assim fosse em Portugal...
    - Em Portugal, qualquer pilha-galinhas é julgado por um tribunal (e por um juiz). Nos EUA existe uma coisa chamada play-bargaining (a pena é negociada entre a acusação e a defesa, sem necessidade de submissão a julgamento). (É menos garantístico mas mais eficaz na libertação dos meios para a realização da justiça nos casos mais importantes - tratando-se, por isso, de uma solução que defendo para Portugal, onde já há algumas aflorações ténues daquela solução).
    - O sistema de julgamento por um júri está amplamente difundido no sistema americano, favorecendo uma justiça de espectáculo, mas cujos veredictos são dominados por uma excessiva emotividade (por parte dos membros do júri), favorecendo uma maior influência dos média no sentido da decisão a proferir. (Em Portugal tb existe o tribunal de júri, reservado para os casos mais graves mas cuja intervenção é facultativa - apenas ocorre se for requerida. No entanto, são poucos os casos em que essa intervenção é requerida - pq será?).
    - Nos EUA as penas são muito mais pesadas e a sociedade é muito mais violenta (parece ser preferível penas mais leves, qd as mais pesadas geram uma reacção mais violenta por parte dos delinquentes - ex.: o que tem a perder um condenado a uma pena de prisão superior à sua expectativa de vida?).
    - Nos EUA ainda existe a pena de morte (apenas em alguns Estados), enquanto que Portugal foi o 1º país do mundo a abolir essa pena (que é internacionalmente considerada como violadora dos direitos humanos).
    - Nos EUA existe a prisão de Guantânamo...

    Estes são alguns exemplos que ilustram diferenças radicais entre os sistemas de Justiça Penal em confronto. Não pretendem ser excessivamente rigorosos e muito menos exaustivos.

    Isto para responder à seguinte questão:
    Se tiver de ser julgado pela prática de um crime, onde preferiria ser julgado?
    Se fosse culpado: preferia ser julgado cá, onde seria tratado com mais humanidade e me seria aplicada uma pena menos grave.
    Se fosse inocente: preferiria ser julgado cá, pq entre nós os erros judiciários são (apesar de tudo) menos frequentes (refiro-me exclusivamente aos erros por condenação de inocentes, pois a absolvição de culpados constitui essencialmente uma questão de eficácia do sistema processual penal).

    Espero ter contribuído para esclarecer o meu ponto de vista.

    P.S.: Sobre a decisão do crime em causa, sugiro a leitura atenta do Acórdão da Relação, publicado em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1c550c3ad22da86d80257886004fd6b4?OpenDocument&Highlight=0,viola%C3%A7%C3%A3o
    Parece-me serem particularmente relevantes os seguintes aspectos:
    - a matéria de facto considerada provada e, principalmente, a respectiva motivação (a qual contém outros factos que poderão permitir melhor compreender a situação em causa);
    - a fundamentação de direito quanto ao requisito da violência para a verificação do crime de violação; e
    - o facto de se tratar de uma decisão relatada por uma mulher (concorde-se ou não com a decisão, há que reconhecer a sua coragem).
    Anoto que nada do que disse se baseia em qualquer opinião sobre a solução dada ao caso.
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