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Delito de Opinião

O segundo partido comunista

Pedro Correia, 27.04.11

 

PCP e Bloco de Esquerda recusaram qualquer encontro com a delegação europeia composta por membros do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu que se encontra em Lisboa a avaliar as condições do resgate financeiro a Portugal. Ao contrário do que fizeram os restantes partidos parlamentares, as associações patronais, as confederações sindicais (incluindo a CGTP-Intersindical) e diversas personalidades, como Boaventura Sousa Santos, coordenador do Observatório da Justiça. Os dois partidos da esquerda radical portuguesa perderam uma oportunidade irrepetível de dizer olhos nos olhos, cara a cara, tudo quanto pensam destes técnicos financeiros e quais as soluções que preconizam para retirar Portugal da situação de quase bancarrota em que vivemos, com o colapso iminente das finanças públicas. Agiram ambos sem qualquer sentido de responsabilidade, preocupados apenas em garantir a habitual vozearia de rua e de telejornal.

Que o PCP assim proceda, é normal. Os comunistas portugueses sempre foram profundamente eurocépticos, combateram desde o início a integração de Portugal na CEE, contestaram Maastricht, a diluição das fronteiras, a transferência de competências para a Comissão Europeia e a adopção da moeda única. São internacionalistas de cartilha mas profundamente nacionalistas na prática, utilizando uma retórica semelhante à dos partidos da direita populista e xenófoba que também não quer "os estrangeiros" a perturbar a sacrossanta "soberania nacional": ainda há dias um dirigente comunista comparava, no Avante!, qualquer político português que dialogue com o FMI a uma "espécie de Miguel de Vasconcelos dos dias de hoje".

Quando o BE procede exactamente como o PCP, pelo contrário, está a trair o espírito de cidadania europeia que parecia animá-lo desde a fundação, no final da década de 90: uma das principais diferenças programáticas entre comunistas e bloquistas residia na relação com a Europa. Mas também aqui o Bloco tem vindo a tropeçar no próprio pé - na sequência da fracassada tentativa de apropriação da candidatura presidencial de Manuel Alegre e do monumental tiro de pólvora seca que foi a moção de censura apresentada em Fevereiro contra o Governo socialista. O Bloco, que devia assumir-se como o parceiro de coligação natural com o PS para possibilitar maiorias parlamentares de esquerda, segue afinal uma estratégia de bunker, decalcada do PCP, que se esgota na gritaria contra todos os governos sem ter jamais a pretensão de influenciar qualquer solução governativa: ser um partido de protesto é quanto lhe basta.

A última coisa de que o sistema português precisa é de um segundo partido comunista, apenas um pouco mais citadino e com vestuário de marca. Se for por essa via, o Bloco torna-se um partido inútil - e não admira que as sondagens estejam a castigá-lo. Convém recordar que o PCP já tem um apêndice - o dito partido Os Verdes, que merece figurar no Guinness Book por existir há quase 30 anos sem nunca ter concorrido isoladamente a uma eleição. Por mim, confesso, custar-me-ia ver um dia Francisco Louçã e Luís Fazenda no lugar de Heloísa Apolónia a trautear o hino da CDU.

8 comentários

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    Pedro Correia 27.04.2011

    Pode ser que ache o BE mais útil assim aconchegadinho à sombra do PCP, decalcando-o, como faz o PEV. Não lhe gabo o gosto.
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    Anónimo 27.04.2011

    Deve o BE aproximar-se então da família do PS (e já agora do PSD, cuja diferença são apenas as moscas) depois do falhanço da terceira via, e da quarta e da quinta, com todas as suas desregulações, privatizações? Deve o BE chegar-se para as bandas do PS a troco de umas pastitas de ministério, estando em minoria e sem poder para desencadear o que quer que se assemelhe a um programa minimamente radical? (I.e. assumir a pasta do ministério do Trabalho e mesmo das Finanças sem poder dar mais poder aos trabalhadores ou democratizar minimamente a economia?)

    Para quê, caro Pedro Correia?

    Para mim, e para todos os socialistas no significado clássico da palavra, por isso anti-capitalistas, mais vale resistir, captar descontentamento e formar ideologicamente as massas para rejeitarem o capitalismo. Para nós, tão inimigo é o CDS como o PS, que mais não são que fantoches "úteis", como disse no comentário anterior, a uma burguesia proporcionalmente tão abastada como a do século XIX.

    À sombra não diria, mas numa coligação alargada em que se inclua também a CDU, seremos muito mais úteis a cavar trincheiras na luta de classes que queremos ver ganhas. Isso sim, seria "útil" numa lógica de longo-prazo, coisa que não acontece na fantochada de "democracia" que acontece de 4 em 4 anos ou quando o parlamento se dissolve ao sabor das crises cíclicas de um capitalismo que não serve a Humanidade, a não ser a humanidade de uns jornalistas-mercadorias, uns mais inteligentes e "úteis" - novamente, à burguesia que detém os meios de comunicação social - que outros. Sim, já acabei de vomitar, vou jantar novamente lagostas com caviar.
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    Pedro Correia 27.04.2011

    Não sei qual a vantagem para o Bloco de se aproximar (ainda mais) de um partido que defende as ditaduras cubana e norte-coreana, é contra a construção europeia, ainda suspira de saudades pelo escudo e tem um discurso em defesa da «soberania nacional semelhante ao da direita populista trans-europeia. Você revê-se neste ideário?
    O BE ou vai por aí ou escolhe a via que foi trilhada pelos Verdes alemães, que se assumiram como um parceiro de esquerda dos sociais-democratas. Os resultados estão à vista: hoje, em certos estados, já são a primeira força política à esquerda.
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    Anónimo 28.04.2011

    Veja o post no Esquerda Republicana - um blog que julgo mais afecto ao PS que outra coisa - http://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/04/porque-pretendo-votar-be.html.

    Nos comentários, o autor escreve "As posições que tenho visto o BE a defender face à Europa parecem-me geralmente razoáveis e justas. Reforço da democracia através da defesa do aumento dos poderes do Parlamento Europeu face ao conselho e à comissão; apelo a um orçamento comunitário digno desse nome como contrapartida para o mercado comum; defesa da possibilidade de harmonização fiscal; defesa de um combate comum aos paraísos fiscais, etc."

    O PCP por seu lado não suspira pelo escudo mas alertou e bem para o que seria a nossa entrada para o Euro e previu bem as consequências de estarmos numa moeda demasiado forte. Fora dos sectores anti-capitalistas houve talvez um ou dois economistas que ficaram do lado do PCP nesta questão. Quanto ao resto, PCP e BE, anarquistas e socialistas internacionalistas em geral, vêem o seu projecto como realizável apenas à escala global ou se tomar conta pelo menos dos países mais ricos (sem esquecer a imensa riqueza que as burguesias esconderam em offshores). Daí que eu, que me considero mais libertário do que outra coisa, ainda que vote no BE, entendo que a curto-prazo seja necessário que os Estados desempenhem um papel activo pelo menos na expropriação dos grandes grupos económicos, muito embora gostasse de ver os trabalhadores organizados independentemente do Estado.

    Isto é tudo muito complicado para cabecinhas que vêem liberdade vs coreia do norte, bem sei.
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    Pedro Correia 29.04.2011

    Liberdade 'vs' Coreia do Norte, sim. E Vietname. E Cuba. E China. Os países que servem de modelo real ao PCP, como resulta de sucessivas 'teses' aprovadas em sucessivos congressos deste partido. Que ainda hoje suspira pelo escudo, como é sabido.
    É com este partido profundamente eurocéptico e nostálgico do famigerado 'socialismo real' que o BE "europeísta" pretende coligar-se?
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    Anónimo 29.04.2011

    Cá para mim esse receito - agitar o papão comuna - mostrado pelos militantes do PS como pelos jornalistas da sociedade civil, é relativo ao case study do Fianna Fail irlandês, que passou a ser insignificante (de 60 para 15% é um tombo gigante, não?). As sondagens não o mostram abertamente, mas há muita indecisão e ela irá desembocar ou numa abstenção histórica ou, quem sabe, nalguma surpresa eleitoral.
    Repare, nem milito no BE nem sequer dou valor à democracia parlamentar burguesa MAS costumo votar e acho que uma aliança a curto prazo do BE e do PCP poderiam captar muito descontentamento de gente apolitizada que pode passar a militar ou pelo menos ser activa na sociedade civil, independentemente da cor das cuecas que veste Kim il-Sung. Importa ganhar consciência de classe e perceber que o capitalismo se tem dado muito, muito mal ultimamente.

    O BE está a milhas do PS. E está a milhas do PCP, mas muito menos milhas que no primeiro caso. Hoje o euro já não faz sentido sem reestruturação da UE - criação de eurobonds e de um orçamento comum - e isto são políticas em que o PCP e o BE convergem. E nas causas também: o falhanço estrutural do capitalismo. Amén.
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    Pedro Correia 29.04.2011

    Pois. «O falhanço estrutural do capitalismo». Vá explicar isso aos norte-coreanos: eles bem sabem, espreitando como podem para a Coreia do Sul, como o capitalismo está a "falhar". Explique isso aos cubanos, que acabam de abrir o sistema timidamente à iniciativa privada: pergunte-lhes se é o capitalismo ou o 'socialismo de Estado' que que ali está a falhar em toda a linha.
    Quando invocamos modelos, você e mais alguns são incapazes de dizer quais são afinal os vossos. O que sugerem como alternativa? É a China «socialista», que baseia todo o sistema na mão-de-obra escrava e na ausência quase total de direitos laborais, começando pelo direito à greve? É o regime plutocrático angolano? É o «socialismo» pan-arábico de Kadhafi e Assad? É a Venezuela do camarada Chávez, única economia em recessão na América Latina apesar dos petrodólares?
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