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Delito de Opinião

A homilia.

Luís M. Jorge, 24.04.11

Portugal distingue-se por uma casta de pregadores que usam os dias santos para infernizar os raros prazeres mundanos dos seus compatriotas. Não há feriado móvel em que não saiam das caves, a espumar imprecações, dezenas de criaturas lívidas mobilizando-se contra as pontes, o consumismo, a ostentação e a alegria em geral.

 

A missa reproduz-se de dois em dois meses com a enjoativa previsibilidade do bulshit lusitano: que o país está em crise, mas ainda há quem consuma. Que muitos não têm pão, mas outros comem croissants. Que apesar da desgraça universal, o Algarve está cheio de novos-ricos, frangos da Guia e delícias do mar. Que os voos para Cancun, Varadero, Punta Cana, Tenerife, Porto Galinhas, Maceió, Recife, Pipa e Natal rebentam pelas costuras. Que uns dormem na valeta, enquanto outros esbanjam em mordomias, etc.

 

Talvez valha a pena colocar alguma ordem nas cabeças dos nossos ressentidos.

 

Em primeiro lugar recordando que o facto de existir uma crise não significa que algumas pessoas não possam viver melhor. Isso é uma injustiça? Para quem julga —como tantos portugueses — que a inveja é uma boa estratégia de ascensão social, talvez. Mas num país civilizado o triunfo de alguns é fonte de inspiração e progresso para outros.

 

Em segundo lugar informando os distraídos que Portugal já é o país europeu onde mais se trabalha. A improdutividade não se enfrenta com a anulação de pontes: enfrenta-se com gestores capazes, com gente bem formada e com um enfoque no médio prazo — ou seja, com tudo o que falta nas empresas que você conhece.

 

Em terceiro lugar, apelando à solidariedade dos moralistas. Mas não é a solidariedadetacanha de quem repele o consumismo ou vocifera contra as férias dos outros. É a solidariedade de quem quer mesmo combater as desigualdades.

 

Um combate que se faz pela política fiscal em vez da caridade. Que assenta no voto em vez da admoestação. Que é feito a pensar no futuro, e não nas idealizações nostálgicas de uma qualquer miséria salazarista.

 

Portanto, no próximo feriado, poupem-me às vossas tretas: tirem umas férias. 

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