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Delito de Opinião

De vanguarda a retaguarda

Pedro Correia, 11.03.09

 

Nos dias que correm, nada como a Guiné-Bissau simboliza tão bem as surpreendentes reviravoltas da História. Arvorada durante anos em bandeira do progresso, a "independência" guineense transformou-se num dos maiores logros do nosso tempo. A causa nacionalista, aliás um conceito reaccionário por excelência, mal disfarçava então os velhos demónios xenófobos e tribalistas que não tardaram a soltar-se mal terminou o 'fardo do homem branco' em África. O percurso da "independência" da Guiné-Bissau, hoje presa das redes de narcotráfico internacional, não podia ser mais trágico. Naturalmente, quem há três décadas enaltecia o PAIGC como vanguarda do progresso histórico não tardou a virar-se para outras causas mais apelativas - e hoje é possível ocorrer algo tão impensável como o Presidente Nino Vieira, antigo herói da guerra da "independência", ser assassinado e literalmente esquartejado como um animal no matadouro sem que o facto suscite uma só linha de comoção em blogues habituadíssimos a comover-se com um único tiro disparado na Palestina ou nos Balcãs. Percebe-se porquê: o drama guineense é um tema incómodo para Portugal. Talvez por isso, o Estado português fez-se representar no funeral de Nino - que era chefe do Estado em funções no momento em que foi morto - apenas pelo secretário de Estado Gomes Cravinho. Não podia ser mais gritante o contraste com a classe política que se acotovelava ontem em Lisboa para cumprimentar o Presidente de Angola ou com a comitiva de sete ministros, seis secretários de Estado e 28 empresários que José Sócrates leva a partir de amanhã a Cabo Verde.

Encerrado o ciclo colonial, a República da Guiné-Bissau deixou de ser uma peça no xadrez geopolítico e uma flor na lapela progressista. É quase como se não existisse, aconteça lá o que acontecer. E existirá mesmo?

2 comentários

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    Pedro Correia 12.03.2009

    Caro Carlos,
    Não houve causa mais 'progressista' no Portugal dos anos 60 e primeira metade dos anos 70 do que a «independência já» para a Guiné-Bissau, com o PAIGC mitificado como força motriz de uma África nova. A África nova afinal era velha. Acontece que muitos do que glorificaram e mitificaram o PAIGC viram hoje a cara para o lado: deixaram obviamente de ver a Guiné como símbolo de progresso após todo o cortejo de morticínios que lá se tem registado e nem se dão já ao incómodo de comentar com duas linhas perplexas o bárbaro assassínio de Nino Vieira.
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