Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Delito de Opinião

Diário irregular

Sérgio de Almeida Correia, 25.03.11

25 de Março de 2011

 

A verdade é que o país vivia uma crise generalizada. Para lá do impasse político, que aqui não cumpre desenvolver, o modelo de desenvolvimento económico (…) vinha revelando sinais de esgotamento, desembocando numa profunda crise económica e financeira que assolou o país (…). O modelo económico (…), confrontado com as limitações do seu próprio enunciado, debatia-se com as hesitações e as inércias da actividade económica de um país que, afinal, tardava em dar resposta aos desafios e às possibilidades da moderna expansão (…) e, em comparação com a situação internacional, entrara claramente em derrapagem”.

 

No trecho transcrito suprimi as passagens que o situavam temporalmente. Mas agora posso dizer-vos. Esse pequeno texto foi retirado da magnífica História da Primeira República Portuguesa coordenada por Fernando Rosas e Mª Fernanda Rollo. Refere-se ao período 1890/1891 e vem na sequência do Ultimatumapresentado pelo Governo inglês de Lord Salisbury. Hoje, em 2011, em pleno século XXI, a história repete-se. Só que desta vez o Ultimatum não veio de Londres. Veio do eixo Paris/Berlim e teve passagem por Bruxelas. Os sucessivos raspanetes de Angela Merkel, a Bundeskanzlerin do novo Reich europeu, de Junker ou Durão Barroso, não deixam margem para dúvidas. Portugal readquiriu o estatuto de menoridade internacional por via da crise política, económica e financeira em que esta corja (qualquer outro qualificativo seria demasiado brando nesta altura) que se apoderou da política interna nos colocou. Não há êxitos da diplomacia que o disfarcem.  

  

Verdade seja dita que ainda não estou em mim. Não, não foi por causa da apresentação do pedido de demissão de José Sócrates, da inenarrável sessão parlamentar e da forma como as resoluções foram votadas, dando guarida a um pedido do CDS/PP para separação dos diversos pontos; que revela a natureza hipócrita e aberrante a que chegaram as relações interpartidárias na nossa democracia. O que me aflige é não saber se a aurea mediocritas que tomou conta da nossa vida pública e que tem o seu expoente máximo nas pessoas que exercem os cargos de Presidente da República, primeiro-ministro e líder de oposição, alguma vez será passível de contornar. Só que em Horácio ela permitia uma vida descansada. Entre nós é a razão de um permanente sobressalto. E não é cívico.

 

Os membros do Governo, a começar por José Sócrates e Teixeira dos Santos, e os deputados, todos sem excepção, deviam ser obrigados a rever na íntegra, e pelo menos durante uma dúzia de vezes, o debate parlamentar da passada terça-feira. Vasco Pulido Valente viu-o como um debate de seitas concentradas no seu ódio ao próximo e decididas a não ouvirem ninguém. Pior do que aquilo que aconteceu no Parlamento só mesmo o comunicado do PSD que antecedeu a votação e as declarações em inglês de Passos Coelho, já em Bruxelas. Ao inglês técnico de José Sócrates sucede-se o de Passos Coelho. E não passamos disto. À confrangedora mediania sucede-se a mediocridade. 

 

António Barreto chamou-lhes rapazolas. Mas, que diabo, mesmo um rapazola tem a noção do ridículo, ainda quando se queira fazer passar por engraçado. A idiotia começa a ser tão grande e tão séria que ao ver um extracto da conferência de imprensa de Paulo Futre comecei a pensar se toda esta gente não combinou as coisas de maneira a enlouquecermos de uma vez. É que até os bêbados conseguem manter alguma compostura em todo o seu desalinho. Esta gente não.

 

A cereja no topo do bolo para tudo o que aconteceu durante estes dias não foi a suspensão da avaliação dos professores sem que haja um sistema alternativo, mais adequado e funcional para o mesmo efeito. Isso seria o menos. Foi ficar a saber que a Segurança Social anda a penhorar indiscriminadamente contas bancárias de gente que não lhes deve nada e por conta de pretensas dívidas de terceiros que remontam a 1995 e 1996. Uma ex-sócia de uma sociedade dissolvida em Agosto de 2007 viu ser-lhe penhorada uma conta pessoal, isto é, em nome próprio e sem pré-aviso, como se fosse uma conta da sociedade dissolvida. Com a agravante da conta ser da sua mãe e desta aí receber a sua modesta reforma. Pensei que só acontecia aos outros, aos que me vinham pedir auxílio nessas horas de aflição, até ser informado de que eu próprio iria ter uma conta minha penhorada. Eu que não sou sequer contribuinte da Segurança Social, que sou pobrezinho mas sempre tenho as minhas contas em dia. Eu que não devo nada a ninguém. Nem a bancos, nem ao Fisco, nem à minha inesquecível Caixa de Previdência. Apeteceu-me insultá-los. A todos sem excepção. Chamar-lhes os piores nomes que me vieram à cabeça. Acabei a escrever para as instituições e para o Provedor de Justiça. Que diabo, é essa a obrigação de um cidadão e de um advogado. Por si e por todos os que têm sido afectados com a prepotência dos mangas-de-alpaca.

 

E regressei eu a Portugal para isto. Depois de quase uma década fora de portas. Dizia eu para me justificar que há combates que devem ser travados na nossa própria terra. E não, comodamente, fora de portas. E que o dinheiro não é tudo. Já não sei o que diga. Esta gente passou-se de vez e eu não sei durante quanto tempo mais irei aturá-los. Oxalá que Deus me vá dando saúde, paciência e alguma lucidez para não fazer nenhuma asneira, e ir suportando estes ignaros bárbaros, estas cavalgaduras que nos rodeiam e que fizeram deste País uma estrumeira onde um Presidente distante e comprometido se esforça por manter o povo sereno. Qual povo?