Os apocaliptólogos
Em tempos não muito distantes, o papel de apocaliptólogo do regime foi exercido, em regime de quase exclusividade, por Henrique Medina Carreira. Diga-se, em abono da verdade, que desempenhou essa função com abnegada convicção, linguagem colorida e dois ou três gráficos de aspecto manhoso. As suas aparições pontuais tinham na populaça ululante o mesmo efeito que a exibição da mulher barbuda provocava nos apreciadores de espectáculos de saltimbancos. A mensagem de Medina Carreira atraía as atenções sobretudo pela deformidade que representava face à perfeição do Portugal socrático e cor-de-rosa. O pagode ria-se, levava as coisas à conta de pantomina, abrigava-se dos perdigotos do Professor e, uns minutos depois de iniciada a entrevista, cumpria o dever cívico de votar em José Sócrates. Nas últimas horas, todavia, o monopólio de Medina Carreira chegou ao fim. Os membros de um Executivo que já completou seis anos de uma governação sem erros e repleta de leais e eficientes serviços à Nação ameaçam-nos agora com as pragas do Egipto em versão piorada: dizem-nos que até os gafanhotos vão morrer. O Dr. Mário Soares proclama-se angustiado. E o Dr. Sampaio, que nos prometia as delícias de além do défice, despenteia-se para nos afirmar que não existe vida sem PEC. É curioso. Estes apocaliptólogos de recente conversão eram, em geral, inveterados optimistas há não muitas luas atrás. O entusiasmo é o mesmo. A diferença é que no lugar do oásis vêem agora um buraco. Pena é que uma parte destes novos profetas da desgraça tenha empurrado o país para um caminho em que o abismo ficou à distância de um PEC. E que a outra parte tenha andado entretida a cantar o solidó.