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Delito de Opinião

Pena suspensa

Laura Ramos, 21.03.11

 

Olhava-o e ficava siderada. Por tudo o que via. Mas sobretudo por tudo o que não via. Arrancava-a do sério. De um lado era a aparência, a charla, o encanto; e os olhos atlânticos. Do outro, o impossível crivo de virtudes mentais, o intangível nervo da racionalidade, a eficiência instantânea, mas discreta. O longo treino no ser, a mestria no estar.

Passar ao estádio seguinte parecia obrigatório. Sentia-se avocada.
Mas seria tão curto.

Não, era melhor assim:

Ir descobrindo, lenta, as imperfeições dele. Enredar-se nalgumas, de tão harmoniosas que acabavam por ser, numa contradição melódica. E fixar-se noutras que a levassem a ver. Ver como numa TAC, reveladora e crua.
Detestava a cegueira. Era este o caminho.

Por isso mesmo, quando ainda cedia à tentação tremenda dos sentidos, voltava à tona da água daquele mar revolto e respirava fundo, aliviada, por tudo não passar de um risco imaginário. Fugia da entrega, o que é dizer, do logro. E depois, já sabia que a clareza é dúbia: pode bem ser magnífica, mas também pode ser pródiga em vulgaridade. Depende de quem e ninguém merece tanto, porque a vida inteligente, em fim de contas, não assiste os humanos em todas as matérias.

Largar, abrir os olhos e ficar vigilante. Doravante, era assim.

Apagou o programa. Fechou as ligações.

“Sim, quero sair!” – respondeu, irritada.

Cancelar tudo. Voltar atrás. Matar.

Era esse o caminho, até tudo passar.

(Sabia que o melhor só viria depois).

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