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Delito de Opinião

Há quem tenha alergia à alegria

Pedro Correia, 09.03.09

 

Vários críticos de cinema acolheram da pior maneira Quem Quer Ser Bilionário? (Slumbog Millionaire), o filme de Danny Boyle agora contemplado com oito Óscares. Um pouco por toda a parte, neste tempo de grave crise económica, financeira e social, a película tem vindo a ser muito bem acolhida, cativando legiões de espectadores de todas as idades, culturas e condições sociais. Não custa perceber porquê: muita gente sente-se um pouco melhor depois de a ter visto. Em perfeito contraste com a generalidade das notícias que nos chegam ao domicílio, sempre com uma carga depressiva nas linhas e entrelinhas.
 
Brindar Quem Quer Ser Bilionário? com bola preta, como houve quem fizesse em Portugal, é pura desonestidade intelectual: significa um sinal de alerta aos espectadores, intimando-os a não verem este filme, assim remetido para a galeria dos piores de sempre com frases absurdas como esta: “Boyle nem sequer conhece a distância que permite criar uma verdadeira perspectiva sobre as coisas e limita-se aqui a oferecer-nos o Outro (o Oriente) como travesti do Mesmo (o Ocidente).” Felizmente a intuição dos espectadores – e a publicidade de bouche a l’oreille – pesa muito mais do que frases como aquela.
 
Talvez o motivo por que vários críticos detestam a película de Boyle tenha sido o mesmo de sempre: o mundo das cotações cinematográficas com chancela ‘artística’ costuma ser adverso aos filmes com final feliz. Um texto do Guardian, há dias, ajudava-nos a perceber a estranheza de alguns perante o Óscar de melhor filme a Slumdog Millionaire: das cinco longas-metragens em competição, esta era a única com happy ending. As outras falam-nos de um amor impossível (O Estranho Caso de Benjamin Button), do julgamento de uma carcereira nazi (O Leitor), de um ídolo da cultura gay que morreu assassinado (Milk) ou de um político que saiu de cena pela porta mais pequena da História (Frost/Nixon). Muitos críticos, ainda que inconscientemente, tendem a valorizar sobretudo o que termina mal. Em regra, o drama recebe mais estrelas do que a comédia. E também recebe mais Óscares: nos dois anos anteriores, os vencedores tinham sido Entre Inimigos (de Martin Scorsese) e Este País Não É Para Velhos (dos irmãos Coen).
 
Nada comparável ao filme agora vencedor. “Para onde quer que vão, os membros da equipa de Slumdog Millionaire parecem estar a divertir-se", escreve Jeremy Kay no Guardian. E nós acabamos por nos divertir com eles – até na noite dos Óscares, a mais bem conseguida em muitos anos, isso se viu. Alguns não apreciam o estilo: em tempo de crise planetária, todo o indício de optimismo é punido com bola preta por quem sente alergia a qualquer forma de alegria.

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