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Delito de Opinião

Do lado da liberdade

Pedro Correia, 08.03.11

O papel dos jornalistas nas horas de grande tensão política é crucial. Fez agora 30 anos, quando um punhado de militares saudosos do franquismo invadiu o edifício do Parlamento, sequestrando os membros do Governo e os deputados que lá se encontravam, Espanha viveu longas horas sob o pesadelo do regresso à ditadura após cinco anos incompletos de sistema democrático. Nessa noite de 23 para 24 de Fevereiro de 1981, Madrid parecia uma cidade fantasma: só alguns bandos de arruaceiros de extrema-direita varriam as ruas vitoriando Tejero de Molina e os seus capangas da Guarda Civil que mantinham os políticos sob a mira das armas.

Nesses momentos dramáticos, em que tudo podia acontecer, dois jornais fizeram a diferença: o El País, de Juan Luis Cebrián, e o Diario 16, de Pedro J. Ramírez, lançaram edições especiais que já circulavam às 11 da noite. “Fracasa el golpe de Estado” – foi a manchete do Diario 16. “El País com la Constitución”, titulava o El País. Manchetes editorializadas, que exprimiam mais desejos do que certezas numa altura em que o rumo dos acontecimentos era ainda imprevisível, mas que à sua maneira também contribuíram para influenciar o desfecho da intentona extremista: vários agentes da Guarda Civil que tiveram acesso a essas edições – hoje históricas, por motivos óbvios – acabaram por abandonar o edifício do Parlamento, à revelia de Tejero, durante a madrugada: era o primeiro indício claro de que o golpe fracassaria.

 

Coube ao Rei Juan Carlos o papel mais decisivo ao surgir já cerca da 1.30 da manhã de 24 de Fevereiro em directo na televisão espanhola, com a sua farda de comandante supremo do exército, desautorizando os golpistas com estas palavras claras: “A Coroa, símbolo da permanência e da unidade da pátria, não pode tolerar de forma alguma acções de pessoas que pretendem interromper pela força o processo democrático que a Constituição, oportunamente votada pelo povo espanhol, determinou através de um referendo.”

“Nós, na redacção, partilhávamos da inquietação que percorreu Espanha. A experiência da liberdade política iria acabar num novo fracasso? Mas tínhamos também uma impaciência particular e íntima: o que acontecerá quando os militares chegarem aqui?”, lembrava há dias, nas páginas do El Mundo, o jornalista Justino Sinova, à época director-adjunto do Diario 16, revivendo essas horas de enorme tensão num país onde permaneciam vivas as memórias da sangrenta guerra civil de 1936-39.

Nos momentos decisivos, o jornalismo fiel à sua verdadeira vocação não hesita: escolhe sempre a trincheira da liberdade.

 

Publicado no blogue Olhar Direito

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