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Delito de Opinião

Grandezas e misérias da política

Pedro Correia, 23.02.11

 

Poucas figuras reflectem tão bem as vicissitudes da política, no seu cortejo de grandezas e misérias, como Adolfo Suárez, o homem escolhido em 1976 pelo Rei Juan Carlos para uma tarefa que todos anteviam impossível: sepultar definitivamente o regime franquista, a mais férrea ditadura da Europa Ocidental, substituindo-o por um sistema democrático. Suárez conseguiu o impossível ao longo de 11 meses alucinantes: levou as Cortes franquistas a decretar a sua própria dissolução, desarticulando o aparelho da ditadura, e convenceu simultaneamente o secretário-geral do Partido Comunista de Espanha, Santiago Carrillo, a aceitar a bandeira monárquica e Juan Carlos como Chefe do Estado, neutralizando os elementos mais duros da oposição clandestina, entretanto legalizada. Venceu as eleições de 1977, à frente da recém-criada União do Centro Democrático – um escrutínio em que o então recém-legalizado PCE obteve apenas 9% – e fez aprovar no ano seguinte a Constituição que ainda hoje, com pequenas alterações, vigora em Espanha.

Fez o mais difícil. Mas fracassou no que parecia mais fácil: governar. O terrorismo e o golpismo constituiram ameaças permanentes ao seu Executivo. Em 1980 a ETA assassinou 98 pessoas. E em todos os quartéis se conspirava. Sabia-se que haveria um golpe, só faltava saber quando. Aconteceu no momento mais dramático, faz agora 30 anos: na própria sessão de investidura do novo Executivo, ministros e deputados foram sequestrados quando um Suárez exausto dava enfim lugar a Calvo-Sotelo .
À ordem de “todos para o chão”, seguida de uma rajada de tiros, apenas três das centenas de pessoas ali presentes recusaram obedecer: Suárez, Carrillo e o vice-primeiro-ministro Gutiérrez Mellado. Correu mundo a imagem do chefe do Governo firme na sua cadeira, enfrentando desarmado os esbirros de Tejero Molina. Com aquele gesto, que representava simultaneamente o apogeu e o fim da sua carreira política, garantia um lugar na História.
O golpe falhou, a democracia e a coroa saíram robustecidas. Suárez, hoje com 78 anos, goza de um raro consenso na sociedade espanhola, que resiste a venerar os seus heróis. Envolto nas brumas da doença de Alzheimer, numa espécie de glória póstuma ainda em vida, esqueceu há muito que chegou a ser o homem mais odiado do país. E quase todos se esqueceram disso também.

 

Publicado no DN

Imagens:

- 23 de Fevereiro de 1981, 18h23: Tejero de Molina e mais de 200 guardas civis sequestram o Governo e os deputados espanhóis no edifício do Congresso

- Adolfo Suárez na capa da Time (27 de Junho de 1977)

 

Adenda das 23.50: Do editorial de hoje do El Mundo: «La imagen del entonces presidente, Adolfo Suárez, sentado en su escaño sin plegarse a las órdenes de los amotinados quedará para siempre como ejemplo de dignidad y valentía, aunque por una injusticia del destino su enfermedad le impida ser consciente de la admiración creciente de la sociedad española hacia su figura.»

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