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Delito de Opinião

No tempo em que ainda havia heróis

Pedro Correia, 22.02.11

 

Winston Spencer Churchill, filho de um aristocrata inglês e de uma beldade norte-americana, recebeu notas medíocres como estudante e jamais foi tratado com afecto pelo pai, um indivíduo propenso a depressões. Tinha todos os requisitos para ser considerado uma "criança problemática", de acordo com um jargão agora muito em voga, mas foi o mais bem sucedido político britânico de todos os tempos.

Era, simultaneamente, um homem de reflexão e um homem de acção. Escreveu excelentes obras, como The World Crisis (1923/27) e Aftermath (1929). Os seis volumes das suas memórias sobre a II Guerra Mundial - na qual foi um dos grandes protagonistas -, concluídos em 1951, tinham vendido mais de seis milhões de exemplares só em língua inglesa dois anos mais tarde, quando recebeu o Prémio Nobel da Literatura. Pintou mais de 500 quadros - "mais do que muitos pintores chegaram a pintar em toda a vida", como acentua Paul Johnson nesta sucinta biografia do homem que foi deputado durante 55 anos, ministro (do Interior, da Marinha, das Colónias e das Finanças) durante 31 e primeiro-ministro - em dois mandatos - durante quase nove.

Morreu em 1965, aos 90 anos, após uma vida intensa: combateu como militar em 15 batalhas em quatro continentes (Cuba, Índia, Sudão, África do Sul na guerra dos Boers e Flandres durante a I Guerra Mundial), e recebeu 14 condecorações de guerra. Viu a morte várias vezes à sua frente, mas nunca perdeu a alegria de viver. Publicou quase dez milhões de palavras ("mais do que muitos escritores profissionais publicam ao longo de toda a vida"), teve um casamento feliz que durou 56 anos e terá bebido perto de 20 mil garrafas de champanhe, a sua bebida favorita. Expressões hoje de uso corrente foram cunhadas ou popularizadas por ele - Médio Oriente, Cortina de Ferro, "sangue, suor e lágrimas". Foi o primeiro político a fazer com os dedos o V da vitória - um gesto que quase todos os outros depois dele adoptaram. Era um grande caçador e um viajante infatigável - deu várias vezes a volta ao mundo. Desportista, praticou pólo até aos 53 anos. Não escondia o fascínio pelo cinema. Adorava conduzir e tinha brevet de aviador. Disfrutava de autoridade natural mas nunca se levou excessivamente a sério: no auge do seu poder, todos os britânicos lhe chamavam Winston.

 

Se existem figuras exemplares, Churchill foi uma delas. "Era um homem de coragem, que é a mais importante de todas as virtudes, e um homem de fortaleza, que é a companheira da coragem - recursos que são inatos, mas que também podem ser cultivados, e que Churchill cultivou toda a vida", escreve Paul Johnson, um dos melhores historiadores britânicos contemporâneos, nesta excelente biografia do homem que se bateu quase isolado contra Hitler agora editada em Portugal e que só peca por algum excesso de concisão. Uma obra que não esconde ao que vem: Johnson é um admirador confesso de Churchill, com quem se cruzou uma vez, quando tinha apenas 17 anos. Foi em 1946. O então adolescente perguntou-lhe: "Senhor Churchill, a que atribui o sucesso que teve na vida?" Resposta pronta do político que no ano anterior emergira como um dos vencedores da II Guerra Mundial: "À conservação da energia. Nunca se levante se pode estar sentado, nunca se sente se pode estar deitado."

Um liberal de sempre, nunca se deixou abater pelos desaires e costumava dizer, cheio de razão: "Não há nada mais esgotante do que o ódio." Johnson presta justiça, neste livro em forma de homenagem, àquele que foi talvez o maior tribuno parlamentar do século XX, dotado de uma eloquência que nunca deixou de ser temperada com uma pitada de humor. Mesmo nos momentos mais dramáticos, como sucedeu a 4 de Junho de 1940, ao discursar na Câmara dos Comuns na qualidade de recém-empossado primeiro-ministro, já com Paris ocupada pelas tropas nazis. "Lutaremos nas praias, lutaremos nas pistas de aterragem, lutaremos nos campos e nas cidades, lutaremos nas montanhas. Lutaremos sem jamais nos rendermos", afirmou, numa alocução que se tornou célebre. Logo acrescentando, num aparte em sotto voce: "E lutaremos com ancinhos e vassouras porque não teremos mais nada."

Winston era assim.

 

Churchill. De Paul Johnson (Alêtheia, 2010).

211 páginas

Classificação: ****

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