Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
22 de Fevereiro de 2011
Dir-se-ia que ainda estamos no ano lunar do tigre. A violência do sismo em Christchurch, o grau de destruição da cidade, não é compatível com a serenidade do coelho. Uma vez mais dei comigo a reflectir sobre a nossa pequenez perante uma tragédia com os contornos do que ali aconteceu. Há vinte cinco anos passei por essa outrora acolhedora cidade do sul da Nova Zelândia, a caminho de Queenstown, do Monte Cook, de Milford Sound e dos fiordes do outro lado, cuja beleza guardo como se tivesse sido ontem. Ver esta manhã as imagens da Catedral anglicana em cacos deixou-me sem palavras. Passear pelos seus jardins seria agora um martírio. Sentir a paz e respirar a liberdade da sua natureza em estado puro um suplício para quem viu tudo colapsar. Se havia sítio onde a alegria do aristotélico viver simples e a confraternização entre iguais tinha sentido era ali. Podemos não voltar aos lugares onde fomos felizes, seguindo a máxima de Pavese, mas jamais imaginamos que a memória dos tempos felizes possa ser violentada e partir na evanescência de um momento como aquele que sacudiu Christchurch.
A tragédia em toda a sua brutalidade tem sempre uma dimensão épica. Seja provocada por causas naturais ou por acontecimentos políticos. O caso líbio não foge à regra. Mas enquanto ali é a natureza em todo o seu fulgor que destrói o que tantos em paz construíram, na Líbia é a brutalidade humana que transparece em toda a sua crueza e boçalidade. A realpolitik dos tempos modernos tem tanto de hipócrita quanto de criminoso. Talvez um dia as sociedades, isto é, os nossos políticos, percebam que é impossível servir dois amos ao mesmo tempo. É impossível apregoar a liberdade e os direitos humanos enquanto se faz o deve e o haver das negociatas que alimentam as camarilhas autocráticas das ditaduras do século XXI. Se tivermos que encontrar um fio condutor naquilo que se está a passar no mundo árabe ele resume-se a uma única palavra: corrupção. Os povos são feitos por homens. Os homens, pelo menos os de bem, escolhem os seus amigos. Porque não aqueles? A diplomacia deixou há muito de ser a arte do possível. É cada vez mais um caminho para justificar a ausência de cerviz e a falta de solidariedade para com muitos dos que sofrem. A boa diplomacia de um dia é o erro do dia seguinte. Só isto é infalível.
O Governo empenha-se em promover as novas tecnologias. Os advogados são "convidados" a fazer uso das plataformas informáticas (Citius e Sitaf) para enviarem os seus articulados. O Estado continua a não dar o exemplo. Em tão pouco tempo já são três os casos em que no Administrativo e no Fiscal vejo serviços públicos enviarem para tribunais articulados por fax e depois em papel, pagando a totalidade das taxas de justiça devidas sem direito a qualquer redução. Não há nada como gozar com o dinheiro dos outros. Se neste país se quisesse mesmo acabar com o défice público punha-se a cambada dirigente a pagar do seu bolso a diferença entre o que os “seus” institutos pagam e o que pagariam se mandassem as peças processuais para os tribunais por via electrónica.
Os serviços e institutos públicos são a imagem dos seus dirigentes. Como os partidos.
Ontem, um amigo veio pedir-me para subscrever uma proposta de candidatura de um militante do PS a secretário-geral e, ao mesmo tempo, uma “Moção Política de Orientação Nacional” para ser apresentada no próximo Congresso. Fiz-lhe ver que não via no candidato a pessoa indicada para essas funções, mas que não teria qualquer problema em subscrever a moção. Quanto mais não fosse para agitar a modorra instalada no partido à sombra do “chefe”. Disse-me que não podia ser, “porque agora quem apresentar uma moção para ser discutida em congresso tem de se candidatar à liderança”. É o artigo 9º do Regulamento para Eleição do Secretário-Geral que o diz. Fiquei perfeitamente elucidado. Um tipo pode ser um excelente estratega, ter o azar de ser mais gago do que o rei George VI, não ter carisma, jeito nem vocação para a liderança, que será obrigado a candidatar-se a secretário-geral se quiser ver discutir as suas ideias no local apropriado. Não admira que o partido esteja como está. José Sócrates será recordado pelo que fez no PS nos mesmos termos em que Churchill se referiu a Chamberlain (Joseph): “we have a splendid piebald: first black, then white, or, in political terms, first Fiery Red, then True Blue” (Winston Churchill, Great Contemporaries). Só espero que o partido não acabe internamente com um papel idêntico ao desempenhado pelos liberais ingleses nas últimas décadas
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.