Carta aberta a Francisco Louçã
Caro Dr. Louçã,
A sua recente intervenção política revela uma vertigem. Não é propriamente uma surpresa, reconheça-se. Trata-se, sobretudo, de uma aceleração em direcção a um abismo que sempre se adivinhou no seu percurso político. Em rigor, este até não seria, em condições normais, um assunto com demasiada importância. Em democracia, o suicídio político é uma decisão livre que cada um pode tomar quando e como muito bem lhe aprouver. E creio até que não existe, neste particular, qualquer impedimento ético a que, tomada por si tal decisão, um vasto conjunto de almas caridosas o apoiassem por via de eutanásia. O problema, Dr. Louçã, é que o Senhor está empenhado em promover um suicídio colectivo. No Sábado passado, teve Vª Exa. a indistinta lata de afirmar que “Portugal é hoje um país mais desigual do que o Egipto”. Ora, isso é uma profunda falta de respeito para com os portugueses. O Senhor tem todo o direito de cavalgar a demagogia a Trotsky ou a galope. Mas, não lhe podemos admitir que compare uma democracia que, apesar de tudo, é a nossa realidade, com uma ditadura. Nem que cuspa no seu tom ressabiado sobre uma construção colectiva que, com todos os defeitos que possa ter, lhe permite a si dizer as maiores barbaridades. Muito menos se pode calar o protesto veemente contra um discurso cujo resultado final é cavar um fosso intransponível entre portugueses. O que o Senhor quer sei eu. O seu projecto político alicerça-se na exploração da perturbação social, da revolta, do conflito de gerações e, no limite, da irresponsabilidade e do ressentimento social. E isso, Dr. Louçã, precisamente porque não somos o Egipto, não lhe podemos admitir. A situação em que estamos resolve-se com os portugueses unidos em torno de um projecto de futuro. Mas, não tem solução a partir do dia em que nos voltarmos uns contra os outros. Por isso lhe digo, Dr. Louçã, que Portugal não pode enveredar pelo seu caminho sem retorno. E, se o que Vª. Exa. pretende é suicidar-se politicamente, então temos que exigir-lhe que vá morrer longe e sozinho.