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Razões
Meu caro, deixe-se disso! O amor é mesmo o que parece: hoje assim, amanhã assado. O de ontem, quase sempre cru. Mas com o sabor intacto do que poderia ter sido, se fosse de hoje. Ou, melhor ainda, de amanhã. Olhe, não se atormente a procurar razões para o que a razão nunca conheceu. O amor não é razão, mas cada amor tem sempre razão, a razão toda de uma vez. Nem menos. E se é paixão, o amor não se pode analisar se não depois de morto. Só em autópsia. Porque enquanto ele está vivo, meu pobre amigo, você nem pode respirar, quanto mais raciocinar! Por isso, não se canse. Por mais que pense, por mais que se concentre, nunca lhe encontrará lógica ou rumo definido. É lógica o que quer? Pois bem: curse engenharia, e depois construa uma fábrica de parafusos. Mas não se afaste nunca muito da linha de montagem. Se quer um rumo certo faça um cruzeiro, desses turísticos. E mesmo assim não olhe muito à sua volta, não vá o azul do mar arrastá-lo, sedutor, para alguma ignota espiral que o sorva sem remédio. Como hei-de dizer-lhe, de outra melhor maneira, que não confunda as coisas? Veja, o seu a seu dono. A César o que é de César. E do amor é o imponderável, o desgoverno, o desmembrar de tudo o que era conhecido. Uma nova ordem desordenada do espaço e do tempo. É o que chega e se impõe sem pré-aviso e parte, quase sempre, deixando para trás um campo de destroços. É o que não se sabe porque faltava antes, nem porque falta, ainda mais, depois. Mas o durante... ah, meu caro, o durante vale impérios! Entende? Não? Que pena. É que lhe falta amar.
(Imagem: René Magritte)