Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Convidada: MARTA COSTA REIS

Pedro Correia, 09.02.11

 

  

Delito

 

Não é fácil falar disto. Há sempre quem ache que tudo se equivale, como se o “é proibido proibir” famoso tivesse alguma coisa a ver com isto. Eu não tenho dúvidas: não gosto de mulheres tapadas. Pior, tenho medo delas. Algumas freiras também me assustam bastante. A primeira vez que vi uma mulher completamente tapada foi num corredor de hotel, meio escuro, e era só ela e os véus dela e a máscara de cabedal dela. Um susto! Depois, à medida das viagens, fui-as vendo em vários outros sitios e nunca me habituei. Não é propriamente delas que tenho medo. É o medo primário, abdominal, de saber que poderia ser como elas. Não sei se os homens alguma vez pensam nisso, na hipótese de terem de tapar o corpo e a cara, de não poderem votar como a outra metade, de terem de ter autorização superior (pai, cônjuge, o que for) para viajar, trabalhar, fazer uma série de outras coisas sobre as quais me parece normal decidir por mim. Mas não é um dado adquirido. Quando eu nasci, e não tenho assim tantos anos, em Portugal todas essas proibições e autorizações eram pedidas às mulheres que, mesmo sendo adultas, tinham um dono. Eu não me esqueço disso e não me esqueço do que seria a minha vida se tivesse nascido um pouco mais a sul. Podemos argumentar com a liberdade de escolha... pois! Não acredito nisso. Já neste blogue se argumentou muito bem esta questão e quanto a isso tenho pouco ou nada a acrescentar. A não ser este medo de que me possa acontecer a mim. Imagino por vezes o que seria a Europa se as mulheres todas se tapassem. Tapem-se nas empresas, nas ruas! Tapem-se nos governos, nas autarquias, nos parlamentos! Nas escolas e faculdades, nos tribunais e consultórios médicos, tapem-se bem tapadinhas nas igrejas e templos e fiquem bem atrás dos homens para que não os distraiam na oração e não corram o risco de tocar uma mulher menstruada. É metade do mundo que fica escurecido. É um preço muito grande a pagar.

Eu percebo a teoria da pureza religiosa, a sério que percebo (ou isso julgo). O mesmo movimento de abnegação e supressão do eu que impele ainda vários jovens para mosteiros e conventos. Eu respeito isso e sei que o islão não tem conventos onde as místicas se possam acolher e recolher, esquecer a vida corrente e as ânsias do corpo. Mas não são estas as mulheres tapadas. E se assim fosse veríamos também homens cobertos, ausentes do mundo, ainda que andando nele. Tapam-se apenas porque são mulheres. Porque alguém lhes lê o pecado, a tentação e a vergonha no corpo. Alguém lhes lê sobretudo a propriedade. Porque em casa destapam-se e – ainda há quem ache graça a isto – pintam-se e vestem roupas garridas e lingerie sensual. É porque são de alguém - ou vão ser - que se tapam ou destapam conforme as ocasiões, para não desonrar o pai, os irmãos, os maridos presentes, futuros e até os maridos passados, que mesmo estando mortos não deixam de ter direitos de posse sobre as fêmeas que lhes calhem.

Legitimar o véu integral é legitimar que uma mulher é propriedade de outro ser. E isso não pode acontecer na Europa. Proíba-se!

 

Imagem: Shadi Ghadirian, Like Everyday Iron, SAATCHI GALLERY

 

Marta Costa Reis

2 comentários

  • Imagem de perfil

    Teresa Ribeiro 09.02.2011

    Excelente post da Marta, que subscrevo inteiramente.
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.