A situação no norte de África vista de um confortável sofá europeu
Acho piada a certos comentários que sublinham a possibilidade de a revolução da Tunísia e a agitação social que já existe no Egipto e se adivinha em outros países do norte de África darem origem a regimes ainda piores. Digo que é o mesmo que afirmar-se, antes do 25 de Abril, que era melhor não o fazer devido ao perigo de Portugal se tornar um país comunista. No fundo, a ideia que está subjacente é:
Eh pá, coitados dos tipos do norte de África, hã!?!? Mas, olha que eu, se fosse aos gajos, estava mas é quietinho e contente com um regime corrupto, militarizado e ou ditatorial. Para eles sempre é melhor que o fundamentalismo islâmico; Ainda acabam todos de burqa. Depois não digam que não avisei. Agora que já falei sobre o tema, vou ali fazer um aviãozinho de papel com o boletim de voto das eleições presidenciais.
É de facto uma posição confortável. Sobretudo para quem está comodamente instalado num sofá europeu, entretido a arbitrar o direito à liberdade dos outros. O que talvez não passe pela cabeça destes limitadores de esperança encartados é que a ditadura e a corrupção, sempre associadas à injustiça social, à pobreza e à exclusão, são causa directa da radicalização e do extremismo religioso. E que os perigos inerentes à luta contra a opressão não podem constituir motivo para paralisar a legítima aspiração dos povos a uma vida mais justa. Cabe a esses povos medir os riscos e suportar as consequências. A nós, o respeito que temos à nossa liberdade impõe-nos que sejamos, quando menos, solidários. Mantendo a honestidade intelectual de não admitir para os outros, sob uma capa de compungida preocupação, o que não gostaríamos de ter para nós.