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Delito de Opinião

Os sopranos

João Carvalho, 24.01.11

A partir do fim da tarde e ao longo da noite, a palavra que mais ouvi e li foi "surpresa". Cavaco Silva foi uma surpresa: as sondagens davam-lhe percentagens muito elevadas e o resultado surpreendeu. Manuel Alegre foi uma surpresa: apoiado por dois partidos e a experiência de uma máquina oleada, teve um resultado modesto. Fernando Nobre foi uma surpresa: sem máquina partidária e sem passado político, conseguiu travar a investida de Alegre. Francisco Lopes foi uma surpresa: com uma máquina afinadíssima e histórica, nada acrescentou ao PCP. José M. Coelho foi uma surpresa: emprateleirado numa ilha e sem máquina e meios capazes, deu nas vistas no plano nacional. Defensor Moura foi uma surpresa: com experiência política autárquica e parlamentar e com parcelas de um partido maioritário, ficou enterrado na rua onde mora. A abstenção foi uma surpresa: no momento delicado que este país atravessa, foi surpreendente a percentagem de eleitores arredados da escolha.

Ora, convenhamos que a maior parte (se não a totalidade) de tais surpresas só existiram nos media, nos mesmos media que davam palpites como trigo-limpo-farinha-amparo. Jornalistas, opinadores, comentadores de opinadores, comentadores de comentadores e jornalistas de opinadores, que são, por norma, sempre os mesmos em círculo fechado, só podiam acabar entalados em surpresas. Fora desses círculos e para lá das reservas e expectativas naturais, só se surpreenderam os incautos, aqueles que se deixaram embalar pelos que passam a vida a soprar o que querem que seja e não aquilo que é. São os que vivem a soprar e para soprar. Não servem para produzir energia alternativa, porque o sopro deles não é limpo, mas não faz mal: só sopram entre si e só se surpreendem uns com os outros. Tornaram-se muito semelhantes a grande parte dos políticos: afugentam os cidadãos e ficam na deles.

Não sopram o que o país anónimo pensa e não pensam o que o país anónimo acha. Os sopranos também deviam ir a votos para ter lugar cativo nos media. Nos media e nas sondagens, já agora.

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